Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (62)

SIR VIVENTE

Astro-rei que à soleira
Da porta
Toca meus ombros,
Sagra-me cavaleiro
Iluminado,
A estender com desassombro
A minha sombra.


Dorothea Lange, Hoe Culture, 1936

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (61)

DÚVIDA

Interessa ao poeta saber
Se abismados no céu
Os pássaros cantam,
Ou se seria a sua música
Instrumento de sala de espera
Que eles tocam apenas
Enquanto não tornam ao silêncio azul
Para dançar a capella.


Robert Doisneau, Jacques Prevert, Paris, 1955

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (60)

ORLA

Aquietado
Pela salmodia das ondas,
Apenas olho o céu nublado,
E o mar hoje gris.

Nesta contemplação
Sem espera,
Esse ser de falésia,
Haveria algo
Do estar feliz?

A minha alma,
Um quadro neutro,
E o vento que nele escreve
Qualquer destino,
O giz.


José Boldt,  Praia, Santa Cruz, 2005 (blog de Boldt, aqui)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (59)

INFUSÃO

Retenho
A última palavra
A macerar na saliva:
Para que se torne
Tenra e doce,
E não te agrida.

Diane Arbus, A Child Crying, 1967.

sábado, 19 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (58)

TRANSMISSÂO

Prisioneiro Sísifo,
Parece que houve
Erro de identificação:
O teu nome
É que é Legião.

Sebastião Salgado, Serra Pelada, 1986.

























Mais de S. Salgado AQUI

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (57)

TITÂNICA

É certo que naufragará
A minha cabeça,
Mas já tenho um plano
Louco de evacuação:
Primeiro, salvo nos botes,
Velhos instintos de vida,
E a improvável tripulante,
Certa inocência infantil
Sem olhar de través.
O mais siga por ordem
Casual.
Até restarem no convés
A suposta comandante
Razão
E seu imediato ceticismo:
Se não se salvam
Nadando para o nada,
Que afundem coerentes
Com a embarcação.


Andreas Feininger, S. S. United States N. Y. Harbor, 1952.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (56)

INÉDITO

Eu te vi calada na fila do cinema.
Não tinhas a alegria dos demais.
Pareceu-me que cansada buscavas
Lapsos de luz numa sala escurecida
Em que não se estivesse reprisando
A projeção rápida da tua vida vazia
A vinte e quatro quadros por dia.


Garry Winogrand, Sem título, 1960.

sábado, 12 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (55)

GASTAS FIGURAS

A busca de uma imagem original
Para a fragilidade da existência
É vã, improdutiva.

Já foi usada a trêmula chama da vela,
O voo fugaz da libélula,
A rosa virginal e bela
Que amanhã estará ressequida,

Etc., etc...

Parece que o desgaste das metáforas
É a melhor metáfora para a vida.

Cindy Sherman, Sem Título, 1985.

























Mais de Cindy Sherman Aqui e Aqui

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (54)

OCUPAÇÂO

Quando há um centro,
Ou foco,
Ou poço,
Ou fosso,
Muito fica nos cantos
Recuado.

Não no meu coração
Elíptico,
Descentrado,
De encantos
Apinhado.


José Boldt (aqui), Passeio, Santa Cruz, 2000.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (53)

ANTIGA MECÂNICA

Tudo se torna maquinário.
Esse bulício de pássaros,
Outrora extraordinário,
Agora é ruído de mecanismo
Com funcionamento preciso:

Caixinha de música
Aberta toda manhã.

Margareth Bourke-White (1904-1971), Campbell Soup: Peeling Onions, 1935.



















Mais de Bourke-White AQUI

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (52)

ALAVANCA

Quero um tanto de empatia
Para com as minhas palavras
Sempre ávidas de folguedos
Na prancha
Entre a infância e a velhice:
Gangorra inacabada
Apoiada sobre o medo.


Diane Arbus, Criança com uma Granada
de Brinquedo no Central Parque, 1962.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (51)

ABSTRAÇÃO AÉREA

Não é exatamente a capacidade de voar
Que amas nos pássaros, imagino.
Porque há vôos ferozes que temes;
Por exemplo, dos insetos, dos morcegos,
Dos agressivos sentimentos.

Um denominador comum de direção
Abstraído a todos os seres voadores
É o que, de fato, amas: o distanciamento.


Tina Modoti, Fios Telefônicos, 1925

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (50)

COLETA

Que patético pareço,
Pé ante pé
Com esta rede na mão,
Procurando entre os instantes voadores
Os mais raros.

Ainda há lepidópteros sem catalogação?


Robert Doisneau, Autorretrato,

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (49)

SAPIENS SAPIENS

Sou o ser desabrigado
Que estadia sob a fuga das estrelas,
Que deve empenhar-se em contê-las
Até fixá-las numa abóboda de berço.

Sou o ser extenuado
Que repousa andando mais e mais,
Que precisa geometrizar a estrada
Até transformá-la em estalagem.


Henri Cartier-Bresson, Jean Paul Sartre, 1945

terça-feira, 1 de novembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (48)

FÁRMACO

Este poema não se concluirá,
Não será soneto, mal soará,
Sem chave de ouro:
É sorvedouro,
Uma esponja rústica,
Apenas
Mata-borrão de angústia.


Alexsander Rodchenko, Vladimir Mayakovky, 1924.