“M”, DE MORTAL
Eu não via um cavalo
Desde o século dezenove,
E agora há meia dúzia deles
Vagando pelas ruas deste bairro.
Observei ontem que um deles,
o pardo,
Deitou-se no solo quente da tarde,
Talvez para sentir toda a extensão
do próprio corpo.
É o mesmo que dispara sobre
calçamento urbano,
Relinchando como um louco.
Parece não gostar
do ser eqüídeo.
Causa espanto o mais velho do
bando surreal:
Macilento rocinante nesse entrecho
quase rural:
Os ossos sobre suas ancas
Parecem o cabide para a túnica da
morte.
Tem olhos sem apetite, embora coma
ainda
Do mesmo capim sem fim.
Surpreende que não tenha chagas
Nas patas de aparência empedrada e
gasta,
Mas na sua testa já se engasta a protuberância
Do que parece ser um córneo único
helicoidal:
É provável que pertença
A alguma forma subjacente
Ao seu destino de besta de carga
banal.
Gerhard Richter, Townscape M3, óleo s/ tela, 1968. (Daqui) |