Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ABECEDÁRIO (g)



“G", DE GRAVITAR


Se a poesia fosse uma caminhada
Importava encontrar transversais
Que tornassem a ronda
Longa demais.

Se a poesia fosse uma caminhada
Importava muito o olhar indiscreto
Lançado aos quintais com portões
Abertos.

Se a poesia fosse uma caminhada
Importava mais não observar o céu
Nem dar cambalhota ou saltos altos
E deixar as estrelas
Em paz.

Se a poesia fosse uma caminhada,
Orfeu bem o sabia,
Impossível seria não olhar para trás.


Anselm Kiefer, Palmsonntag, téc. mista, 2006. Daqui.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

ABECEDÁRIO (f)




“F”, DE FLUIDO

Sorrio,
Um filete contido,
Mas a ironia degela
E me encorpo,
Córrego lúcido.

A estupidez chove,
Cântaros e cântaros,
E já não basta sorrir,
Então rio de enchente,
Transbordo tanto
Que gargalho corrente.

E no ponto de chorar
De rir desbragadamente,
Entranho-me na areia fria,
Entre os seixos polidos,
Nas margens fixadas,
E seco-me de repente.

Perplexo de ter gasto
Até o meu sagrado riso,
Vejo-me exaurido, sério,
Ácido, cético e descrente.


Joseph Beuys, Como explicar pinturas a uma lebre, 1965



sábado, 15 de dezembro de 2012

ABECEDÁRIO (e)



“E”, DE ESTRANHAMENTO

Já está devidamente urinado:
Agora é preciso defender
As fronteiras do terreno
Contra as invasões celestes.


Anselm Kiefer, Man under a Pyramid, téc. mista, 1996 (retirada DAQUI).



sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

ABECEDÁRIO (d)



“D”, DE DOMÍNIO

Acendo um cigarro -
Não espere rima com escarro
Pois não estou para a poesia) -
E fleumático observo a manhã,
Esse livro breve até aqui reeditado
15 mil vezes para o mesmo leitor...

Edições não-revistas nem ampliadas.

Todas com o mesmo prefácio obrigatório.


Anselm Kiefer, Paete, non dolet, escultura, 2008.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

ABECEDÁRIO (c)



“C”, DE CATARSE

É o riso melhor:
Rir de si
Sozinho
Sem qualquer dó.


Markus Lüpertz, Teltower Tisch, óleo, 2010.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

ABECEDÁRIO (b)



“B”, DE BETUME

O sol capeia de pez dourado
Os paralelepípedos da rua
Para que ela enfeitada exulte.

Mas severa e muda ela permanece,
Refém de suas casas betuminosas,
Voltadas para dentro de si mesmas.


Anselm Kiefer, Heroische Sinnbilder, Guache s/ papel fotográfico. (DAQUI)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ABECEDÁRIO (a)



 “A”, DE ALGURES

A minha rua não encontra
Nenhuma rua transversal,
Nem parece ter começo
Ou fim:

Estou mesmo achado e perdido!

Porém, talvez
Desses não sei
Quais limites

Surja
Algum 
Coletivo.


Anselm Kiefer, Zim Zum, técnica mista, 1990. (Imagem retirada daqui)