Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

domingo, 25 de agosto de 2013

ABECEDÁRIO (x)



“X”, DE XEQUE

Param as rodas
E cada coisa giratória.
Repousa a palheta
Do aerofone e tudo o mais
Que seja vibrátil,
Tal qual se trava a língua
Ante o ácido verbal,
Coalho da oratória.

Emperra-se o mecanismo
Que ajusta os telescópicos
Girassóis
Quando ainda estão
Cabisbaixos para o sul.

A linha condutora
Do sol
Rompe-se
E o fixa,
Broche
Num colo azul.

As horas entrançam-se,
Lavor supra-aracnídeo
De teia pegajosa.
E dessedenta-se o sal
Do ar
Com as pétalas das rosas.

Nunca as árvores foram
Tão árvores:
Suas raízes encaminham
A seiva bruta do silêncio
Ao refino das copas,
Antes eloqüentes, ora surdas.

As vidraças estão jateadas
Pelos últimos beijos
Do vento gélido
Agora engessado,
E pássaros cristalizam-se
Sobre a galhada,
Frutos emplumados.

O rio cruza seus braços
Ante o estorvo
Do mar,
Faz-se lago opaco.
E, se tornar a correr,
Retrocederá:
Sua nascente será sorvo.


Antoni Tapies, Journal, litografia, 1968.

2 comentários:

Dario B. disse...

Ótimo, Marcantonio, e o final é brilhante. Abração.

Tania regina Contreiras disse...


A imprevisibilidade de teus versos são geniais. Ricas e impensáveis imagens para um mero mortal. Afiadíssimo sempre.

Beijos,