Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

terça-feira, 25 de setembro de 2012

FACETAS (24)



Não sei, não sei, talvez
Os porquinhos e o lobo
Habitem trêmulos de medo
A mesma frágil casa.

E, não sei, não sei, talvez
Sejam os eventos absurdos
Da vida, uivando lá fora,
Que forcejem a entrada.


Marcantonio

terça-feira, 18 de setembro de 2012

FACETAS (23)



Pouco sei das fases da lua,
E gosto da que mais alumia
A rua.

Essa que hoje vejo
Seria quarto crescente?
Não parece lembrar,
Como dizem,
O arco alvo e inclinado
De uma boca
Sorridente:

Para temperamentos
Apreensivos como o meu
Ela sugere, fatal,
Uma cimitarra
Fluorescente.


Marcantonio

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

FACETAS (22)



Tão neutra e calcária
A tua face post-mortem.
Não sei por que acreditaríamos
Que emulas imagem estatuária
Se há perda notável de volume,
Reduzindo-se a baixo-relevo
Modesto e honesto,
Sem prestidigitar
A representação ilusória.

Eu é que sobreponho ao teu rosto
A antiga tridimensionalidade
Pela troca vertiginosa
De sucessivas máscaras mortuárias
Ainda úmidas,
Como se recém-moldadas
No gesso da memória.


Marcantonio

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

FACETAS (21)



SOBRE ESTRELAS

a)

Eu vos direi:
Não ouço estrelas,
A história fez
com que se calassem,
Ou o fez a ciência,
Ou a nossa impaciência.

Não ouço estrelas:
Elas se perderam,
Traço estatístico, 
No censo
Dos temas poéticos.

b)

Ela pode não estar mais lá
E ainda cintilar aqui
Onde posso não mais estar.

c)

A estrela que há pouco eu olhava
Num átimo foi ocultada
Por nuvem transitória,
Tal como um indivíduo desaparece
Sob a história.

Lógico: nuvem passada, 
Estrela reavistada,
Brilha desde antes da história
Pessoal de quem a olha.

d)

Estrela só,
Brilho na pupila
De um ciclope cego,
Que não vê meu ego.


Marcantonio