Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

quarta-feira, 29 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (20)

DETERIORAÇÃO

O tempo se arrasta
Feito um sáurio faminto
Na paisagem vasta.

Mas, as evidências do estrago
Por sua sub-reptícia ação
Não devem ser todas verídicas.

Talvez, para meu encargo,
Sejam minhas retinas fatídicas
Que careçam de restauração.


Maria Bonomi, A Notícia, serigrafia, 2001

terça-feira, 28 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (19)

MAPA

Espanto e mistérios
Da cartografia amorosa:
Vejo planisférios
Nas tuas íris terrosas.



Anna Bella Geiger,  gravura em metal, serigrafia e colagem, 1996 - Aqui

segunda-feira, 27 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (18)

CARNAIS

São vívidas palavras,
Tácteis primícias,
Se a ela as remeto
Em beijo;
Se a ela as estendo
Carícias;
Se a ela as envio
Visgo, preênsil fio
E desejo.

Munch, O Beijo II, xilogravura, 1902

domingo, 26 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (17)

A-HISTÓRICA

Manhã total
E absoluta:
Nada há além
Dessa imersão
Enxuta no azul
Com verniz
Dourado,
Meio denso
Para pássaros
Em vôo
Distraído e
Retardado.

Uma criança
Agora brinca,
Olhos vivos,
Eliminando
Os arquivos
Dentro do meu
Crânio.

Nunca houve
O original
Nem haverá
O sucedâneo:

Jamais alguém
Dissera:
“Eis a questão!”
Jamais alguém
Dissera:
“Vim, vi e venci.”
Jamais alguém
Dissera:
“Assim na terra
Como no céu.”

E nunca existiu
Um dinossauro,
Uma civilização
Perdida
Ou qualquer
Titã.

Absoluta manhã
No livro da vida:
Parece que
Nenhuma outra
Página
Foi ou será lida.

Renina Katz, Cerf-Volant, litografia, 1992



Renina Katz: AQUI

sexta-feira, 24 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (16)

ÁRCADE

Eu era poeta imbele
Quando arrastava a pluma da língua
Sobre a tua pele;
Mas evoluí para este decidido pastor
Das tuas sensações mais desinibidas
Ao toque do meu cajado condutor;
Trago de volta teus olhos desgarrados;
E teus lábios trêmulos balem
Rubra e urgente canção de amor.

Marcantonio Raimondi, O Julgamento de Páris, gravura, sé. XVI

quinta-feira, 23 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (15)

ACORDE*

No dia dos meus anos
não havia céu nublado,
E tive a sensação de que os pássaros
Cantavam para mim.

Era manhã inédita
Em que não me perguntava

Por que?
Para quê?
Por quanto tempo?

O canto daqueles pássaros
Me sagrava pássaro
Enfim.


*(Este poema é dedicado à Cris de Souza e aos poetas amigos que ela reuniu em uma homenagem  que me emocionou profundamente. Foi um dia de aniversário com sensações inéditas, surpresa de me perceber querido além da conta. Não há palavras ou poema que possa agradecer por isso, e este é apenas uma tentativa aquém no intuito de fazê-lo. Aproveito para agradecer a todos que me enviaram mensagens de felicitações!)

Trem da Lira, Sarau Festivo.
http://tremdalira.blogspot.com/2011/06/sarau-festivo.html


Escher, Regular Divisão de Plano com Pássaros, xilogravura



















Website oficial de Escher: AQUI

quarta-feira, 22 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (14)

SOBREPESO

Peja nas minhas asas
A razão,
Tantas são as penas
Que ela pressupõe!
Não posso voar sequer
Com leve palavra,
Que dirá
Com uma oração...

Goya, gravura da série Os Disparates, água-forte

terça-feira, 21 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (13)

EPOCHÉ

Foge, poeta, da varanda.
Foge, varanda, da paisagem.
Foge, paisagem, do encontro
Com o céu.
Foge, céu, da opressão do cosmo.
Foge, cosmo, do meu pensamento.


Ana Bella Geiger, O Lugar da Ação nº 1, água-forte e clichê

























Mais sobre Ana Bella Geiger AQUI

segunda-feira, 20 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (12)

PEQUENOS FINS

Parece que o mundo acaba
Pela falta de algum detalhe:
Um ponto após a palavra,
Minúscula ervilha;
Certa pequena ilha
No oceano belicoso;
Uma consoante no obelisco babélico;
A pétala ausente que a flor dissipa;
Um dente na boca aflita;
O beijo na boca certa;
Fio de sol numa fresta;
Um parafuso que não se ajusta;
Aquela vírgula na lei injusta;
Uma pitada de sal ou açúcar;
Meio litro a mais de combustível
No motor do carro;
Um estúpido palito de fósforo,
E este não menos estúpido cigarro.

Roberto Magalhães, Stop 1º, serigrafia (DAQUI)

























Site oficial do artista Roberto Magalhães:
http://www.robertomagalhaes.art.br/portu/Biografia.asp

domingo, 19 de junho de 2011

Uma Pausa nas Provas: uma Entrevista e um Agradecimento


Por vaidade não seria, embora ninguém esteja livre dela, mas por uma agradável sensação de pertencimento que algo assim provoca em mim, pelo prazer de trocar e propor a troca de idéias e sobretudo para agradecer essa generosidade. Por isso falo aqui da entrevista dada ao Roxo-violeta (e simultaneamente publicada no Mínimo Ajuste) da Tânia R. Contreiras, e da qual participaram pessoas pelas quais tenho o maior apreço, às quais leio assiduamente e que também me honram como leitores que dão sentido a este blog.

É de ressaltar a inteligência da fórmula adotada para a entrevista, multifacetada, plural. Que seja a primeira de uma série com outros entrevistados que certamente têm muito a dizer.

A Tânia é pessoa muito querida, generosa, cujo amor pela poesia , pela literatura e pela arte, é de chamar atenção. E sou muito agradecido a ela por sua leitura, por seus comentários, que desde os primeiros tempos do Diário Extrovertido significaram para mim um inestimável incentivo e apoio. Obrigado a ela e a todos que participaram dessa experiência tão gratificante. E, claro, em se tratando da semana do meu aniversário, é um presente e tanto.

Roxo-violeta:


E uma agradecimento também ao Mínimo Ajuste, à Bípede Falante e à Cirandeira:

sábado, 18 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (11)

CONTO

O horizonte rendido deixara de fugir,
Então o filósofo sob uma árvore chorava
Lágrimas gratas que evaporavam
Ao tocarem seu peito ardente,
E se condensavam em nuvens permanentes,
No azul movediço estacionadas.

Apenas a árvore fazia a tarde viva e bela,
Voando para bem longe
Nas folhas que o vento lhe roubava.


Evandro C. Jardim, A Visão mais Distante da Árvore, gravura em metal

sexta-feira, 17 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (10)

FANTASMAS

Madrugada nada medonha:
São os nomes desencarnados
De seus objetos
Que estão a arrastar correntes
Nos corredores desocupados
Da minha insônia.

Marcelo Grassmann, s/ título, gravura em metal


















Mais de Marcelo Grassmann AQUI

quinta-feira, 16 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (9)

TRANSVERSAL

O meu reflexo pálido,
de ser estacionado,
foge
no vidro daquele carro,
e desse carro,
e deste carro, e deste, e deste, deste, deste...

James Rosenquist, Minha Mente é um Copo D'água
litografia a cores, 1973
.

























Mais sobre James Rosenquist: AQUI

terça-feira, 14 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (8)

PERSPECTIVA AÉREA

No beiral de um edifício,
Alguns pássaros cantam
A inexistência dos precipícios.


Lygia Pape, Composição, xilogravura, 1955





















Sobre Lygia Pape, AQUI.

domingo, 12 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (7)

ASSIM É PRECISO

Fiz de te amar
Uma imagem marítima:
O mar adentro que é o teu corpo
De rotas fluidas
Para um navegante desprendido
Que a ponto algum quer chegar.

Navego-te de olhos fechados,
Imprevidente, sem presságios.
Solto, navego-te nos ventos favoráveis,
Navego-te, rindo
Da imprecisão dos astrolábios:
Astros mesmos são teus lábios
Capturados,
Incandescendo
Na minha boca.

Picasso, Rafael e Fornarina, água-forte




















Como é a técnica  água-forte: AQUI

sábado, 11 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (6)

ESBATIDO

Melancolia,
Vidraça fosca,
Blindada e fria,
Onde o sol
Que te apedreje?

Dürer, Melancolia I, gravura (buril), 1514

























Coleção de obras de Dürer AQUI

sexta-feira, 10 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (5)

TEMPO

É tudo memória
Das intempéries,
O vento frio
Se me entranhou
Na pele
Sem que os pelos
Se eriçassem
Nem contraindo os poros
Para que a tempestade
Não me adentrasse.

No teatro meteorológico,
Céu azul
De cenário levadiço,
Miragem içada
Por vaporosos fios:
O ar quente sobe
Aos meus olhos,
E para os meus pés
Desce o frio.

Fayga Ostrower, Paisagem, litogravura, 1981



























Ver: Instituto Fayga Ostrower

quinta-feira, 9 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (4)

PROPORÇÕES

Pequenas coisas
Podem ser enormes,
Pequenos orbes,
Tal a sua carta
Que nunca chega
Ou esse brinquedo
na vitrine
Que, não sei por que,
Imagine,
Tanto me comove.

Evandro Carlos Jardim, gravura em metal (DAQUI)




Mais sobre Evandro Jardim AQUI

quarta-feira, 8 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (3)

BALDIAÇÃO

Eu nunca cheguei
E já estou partindo.
Eu sempre almejei.
O que? Não me lembro...

A gare. O trem.
Só.
Estou vendo.

Oswaldo Goeldi, Noturno, xilogravura




















Para ver mais obras de Goeldi: AQUI



terça-feira, 7 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (2)

DE OUVIDO

Em plena luz da manhã,
De esconde-esconde
Brincam os bem-te-vis.


Toyokuni II (Toyoshige), xilogravura, Escola Utagawa, séc. XIX.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

PROVAS DO ARTISTA (1)

CONJUNTO NUMÉRICO


Ó indivíduo! Ô indivíduo!
Ei! Você! Sim! Você...
Não, não é você!
Então, você aí. Não!
Sequer é você...
Espere! Vire-se! É, você...
Também não é você!

Não há você
nessa multidão.

Claudio Tozzi, Multidão, serigrafia, 1972. Imagem retirada DAQUI

















Site oficial do artista: http://www.art-bonobo.com/claudiotozzi/

sábado, 4 de junho de 2011

INTERIORES E VIDA SILENCIOSA (XLVII) - Final

50 – natureza-morta com aliteração

Desconcertante
sexteto:
o violino,
o vinho,
o vaso,
o livro
e a luva,
tocam-se visualmente,
composição sem música.

Braque, Violino e Jarro, óleo, 1910

sexta-feira, 3 de junho de 2011

INTERIORES E VIDA SILENCIOSA (XLVI)

49 – interior imperceptível

Um dia, a casa me lançara
em meio a tudo o que era,
além da porta, o mundo.

Um dia, voltara à casa
para me resguardar
e aguardar a mudança
vindoura,
de fora pra dentro,
do mundo.

Um dia, a casa cansada
da minha imutável
permanência,
ao mundo me devolvera
com impaciência.

Transmudando agora,
de dentro pra fora,
apenas espero 
banal ocorrência:
a imperceptível
mudança do mundo
pela minha ausência.

José Bechara, A Casa, instalação (imagem retirada DAQUI)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

INTERIORES E VIDA SILENCIOSA (XLVI)

48 – natureza-morta com fruteira

A luz
que envolve
a fruta
não a devora.
Por isso
os olhos
nada sabem
de sabor.

O olhar
só degusta,
na memória,
supra-fruto
unitário.

Vejo doces
todas as laranjas
dessa fruteira,
até prova
em contrário.

Cézanne, Natureza-morta, óleo, 1877

quarta-feira, 1 de junho de 2011

INTERIORES E VIDA SILENCIOSA (XLV)

47 – interior com Fausto dissuadido


Se eu disser que tudo que sei
é que nada sei,
estarei preso à ansiedade infinda,
interna voragem das margens caídas,
as têmporas opressas
por asas internas desmedidas.
Resolvi então conceder
que já sei o bastante,
viro as costas para a estante
e abro a porta para a vida me reler.

Em se tratando de procura,
tomarei a imagem da terra e da agricultura:
já foi hora de plantar,
eis o momento a colher!

Cézanne em seu Estúdio, foto de Émile Bernard, 1905