Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ATRIBUIÇÃO

Neste Bestiário,
entre hárpias,
górgonas
e basiliscos,
apenas o grifo é meu.









Imagem retirada daqui

DAS FUNÇÕES DA LINGUAGEM:

OFIDIÁRIO

                            linguagemlinguagemlinguagem
                        linguagem linguagemlínguagemlinguagem
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                                linguagem

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

[PARA LUCAS, MEU FILHO]

Meu pequeno cavalheiro
de olhos postos
no horizonte pontilhado
chamando o dia para junto de si...
Se eu pudesse renascer,
gostaria de ser como você!

Mas, espere...
De algum modo,
nos seus desejos espontâneos
já renasci.

REGISTRO

Nas minhas sandálias
a enciclopédia
dos meus caminhos.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

JORNADA

O                         meu                                dia
é um longo silêncio de formigas trabalhando,

entrecortado
aqui            e            ali
por iludidos gritos
de...
                           EUREKA!

REAÇÕES

A minha palavra
escrita
se enrubesce,
arqueja,
gagueja,
treme e sua
como se falasse em público.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

EROS E PSIQUÊ

PSIQUÊ                                     EROS
             PSIQUÊ                        EROS
                          PSIQUÊ           EROS
                                       PSIQUÊROS


                                        QUEREMOS



SOB A IMAGEM

Quis saber o que havia
atrás do

            qua
            dro

que decorava a parede:

[     ] oh!

Não era um cofre!
Apenas o silêncio
visual.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

AQUÉM

Na cachola
dois olhos
ambiciosos,
postos de observação
de embarcações aerostáticas
e monumentalidades
que não podem ser hospedadas
na cachola pequena.

A cachola frustrada
lateja:
orgão inflamado.






















Rauol Hausmann,
Cabeça Mecânica (O Espírito dos nossos Tempos), 1920.
Musée National d’Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

REFLEXO

Nesse espelho irônico,
se olho de esguelha,
vejo as garras do mundo
puxando a minha orelha.

ESSE TAL TAO

Perco tanto tempo
tentando compreender a não-ação
que esqueço de acender as luzes.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

DOLCE

Olhos caramelados:
a visão atravancada
de formigas.

Algo se cristaliza,
depois se desmancha
em poeira açucarada.

GESTALT

Ninguém nota

o dígrafo

do OlhO.

SEMITOM

Palavra com acidente:
#POESIA

SEM TÍTULO

avenida pessoal
com (3).(½) fio.

SINTOMA

na jugular vibrátil
o compasso 3/4
da valsa do avesso.

APOÉTICO


POMBASombras!


arcos no ar
urbano.

vida besta
de não saber ir.

comendo migalhas
produzindo fezes.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

DESORDEM

Eu tinha um caderno de versos
todo organizado e certinho.

Hoje é uma bagunça só!
Rabiscos cruzados em todos os sentidos
disputando espaço.

As palavras já não marcam hora
nem respeitam a fila.

PAISAGEM COM VIAJANTE

-a-

Hoje nuvens negras
Figuraram ameaças.
O vento as dissipou a tempo.
Toda nuvem escura passa.
Toda nuvem clara passa.
Não há senão lembrança
Vaga de qualquer nuvem.
Toda visão de nuvem esgarça-se.

-b-

Chove verão.
Rosto na vidraça fria.
Água cantando:
Sim não sim não sim.

-c-

Ouvido atento
Ao que a chuva dirá.
Se vier de longe
Trará notícias suas.

-d-

Van Gogh, propõe mais alto
O teu koan!
Tenho duas orelhas
E não posso ver-te.

-e-

Quando o luar se extinguiu
A vida me contou segredos:
Viver é aguardar presenças.
Um inseto se chocou contra
A lâmpada.

-f-

Tudo está brutalmente presente.
Defino isso como felicidade.
Ela, eu, eles, as coisas,
As formas, as cores e as ações.
Nada se excede
Ou sai de si mesmo
Para ocupar uma ausência.
Se isso acaso ocorre,
É um ato que termina e outro que
Começa…

-g-

Só sei fabricar imagens
Na intenção de que nelas
A poesia viva
Como um lobo que nunca vi,
Ou cante como um pássaro
Que cruza uma rua tranqüila.

-h-

O meu polegar é operoso,
Mas mudo.
Nada sabe de palavras.

-i-

A suavidade é o extremo da vida:
É a paixão que, ciente de si mesma,
Destila-se e escorre como córrego.
A brutalidade é que se represa.

-j-

Como uma gaveta
Com luz interna própria
Que é aberta ao sol
Do meio-dia
E ainda assim ilumina ao redor.

-k-

Quando uma folha cai
Ainda a vemos como árvore.
Se o vento a leva,
A árvore também se move.
Pois cada folha é toda a árvore.

-l-

Se me ouves
Enquanto falo
Tu me iluminas.
Mas se repetes
Minhas palavras,
Delas me perco.

-m-

A solidão deve ser o momento
De perceber o outro,
Jamais a ocasião de inventá-lo.

-n-

Um pássaro confidenciou à outro
Que a vida, esse momento
Entre o salto para o vôo e o pouso,
É trágica.
O outro respondeu:
-Não, a vida não é trágica,
Trágicos somos os pássaros!
E voou.

-o-

Inventar espaços próprios
É ardil da covardia:
Ser é desabrigar-se.

-p-

Tantos pássaros formam um bando.
Um só canta.
Qual foi?
Ele sabe que cantou por todos.

-q-

Pontilhões entre dois vazios
As questões que me proponho.
Desabam quando as atravesso.
Não almejo abarcar o mundo,
Quero um barco para cruzar
O meu mundano dia.

-r-

Acompanhei os movimentos do teu olhar
Inquieto
Como a pena de um sismógrafo.
Ele percorreu planícies lisas,
Quedou em vales fundos,
Cruzou cordilheiras tortas,
Planou sem rumo,
Sondou cavernas marinhas,
Levitou pelas ruas da cidade
Para, enfim, focar-se
Nos meus olhos atentos.

-s-

Borboleta sem rumo,
Inquieta, foco de sol.
Não é leve nem é pluma.
Leve é o paquiderme
Estacionado no próprio sono.

-t-

Decalquei meu gesto no gesso.
Mas, côncavo,
Ele perdeu o sentido.
O vazio tem que contornar
O gesto.

-t-1

Aos gestos barulhentos
O olhar surdo não capta.

-t-2

O olhar pode ser um gesto?
Se pode deve ser como um peixe
Que gesticula no próprio nado
Dentro do aquário.

-t-3

Enquanto procurei pelo gesto perfeito
Ele não ocorreu
Quando o esqueci e não o pretendi,
Ele surgiu do meio do meu corpo.

-u-

Depressivo por tanto pensar
Deixo, enfim, que o meu olhar
Percorra círculos
Como os ponteiros de um relógio.
Em algum ponto ele encontra
A hora da luz e pára.

-v-

Uma caixa de fósforos
Tão concretamente caixa-de-fósforos
Tão percebida como-caixa-de-fósforos
Mesmo sem estar-para-fósforos
Mesmo não-sonora-caixa-de-fósforos
Caixa-de-fósforos-vazia-de-fósforos.

-w-

Imaginamos a chuva
Assim que o vento úmido
Agita a luz do sol
Com sopros curtos reinterados.
Ela virá musicar esta tarde.

-x-

Não posso mais
Numerar os nichos vazios
Do passado,
Comunicar a presença do futuro
Na foz dos rios.
Não posso mais
Buscar o tempo oculto
Com que os profetas se embriagaram
Não, não mais!
As raízes estão agora acima do solo
E são tão banais…

[Poema composto no verão de 2009 e publicado antes em Cadernos de Arte com o título "Poemas de Fevereiro.]