Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (27)

TERROR

O espelho desocupou-se de mim,
Guarda apenas a noturna evidência
De uma ausência na sala
Enquanto nele me miro
Poeta-vampiro.


Jan Saudek, Going Downtown, 1976 (Daqui)

























Mais de Jan Saudek AQUI

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (26)

SUPERFÍCIES MELANCÓLICAS

Por que escrever, se posso pintar?
Vou enchendo a página branca
Com palavras em tinta preta
(De caneta)
Até escurecê-la,
Até anoitecê-la enfim,
Sem deixar mínima fresta para estrela.
Mas seria tão mais simples
Usar uma trincha com tinta nanquim...

Edward Steichen, Sunflower, 1920.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (25)

SENSAÇÕES LIVRES

Permito-me ouvir,
Ver
E sentir
Nas costas da mão
A chuva que cai,
Cai aqui e corre:
Não fica num haicai.


Don Hong-Oai, Gaungdong, 1986.

























Mais de Don Hong-Oai AQUI

terça-feira, 27 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (24)

ANTES QUE METRALHADORA

Há na sua boca
Mais do que a racionalidade
De trinta e dois dentes;
Mais do que somente
Esse réptil cordato,
A língua;
Mais do que um sucedâneo
De céu, o palato;
Mais do que a alfândega
Das papilas gustativas;
Mais do que germicida
Saliva.

Há na sua boca
Arma oculta,
Uma catapulta
Primitiva.


Man Ray, Compass, 1920

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (23)

COLECIONADOR

Não é a escuridão que aguardo
Porque dela nunca houve anúncio divino.
Ou me engano? Alguma voz misteriosa
Ameaçou oficialmente cortar a luz do teu dia?
Algum telefonema? Alguma cobrança
Enviada pelo correio celeste?
- Paga a tua dívida ou será cortado
O fornecimento de vida...
Não, a escuridão eu mesmo deduzo.

O que espero é um dilúvio de luz
Num dia que será como o Aurora no Castelo Norhan
Pintado por Turner.
Tu me dizes: isso poderá ser também
Uma forma de cegueira.
Creio que não.
Serão visíveis as silhuetas
De tudo que na luz difusa de agora me é familiar.

Por isso, são essas coisas ímpares
Que recolho à arca.


László Moholy-Nagy (1895-1946), Mãos e Pincel, 1926.

sábado, 24 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (22)

SUPORTE

Não me diga
Que o que procuro
Não existe...
Aquele invisível muro
Com epitáfios
Onde haja espaço
Para eu fazer um grafite.


Harry Callahan,  1952.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (21)

A NOSSA AUTORIA

O que não sei de nós
Daria um livro.
Não, portanto, edição
Definitiva de memórias,
Nem do teor das biografias
Que dotam os biografados
De premonição.
Imagino um calhamaço
Que se estenda adiante,
Passo a passo,
Como gênero misto:
Romance e ensaios
Do imprevisto.

Henri Cartier-Bresson, Roumanie, 1975

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (20)

COM CAUSA

Não queria o meu poema
Um familiar trocadilho ruim.
Se aparentado,
Fosse filho perguntador
Que eu educasse
Pra se rebelar contra mim.

Diane Arbus, Teenager with a Baseball Bat, 1962

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (19)

INDICATIVO OU IMPERATIVO?

Atira a primeira pedra
No lago sem garças,
Um lago sem ondas
Não tem graça.

Sára Saudková, Duke and Drake, 2000

terça-feira, 20 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (18)

VER-SE A VIVER

Poesia é uma experiência
Restritiva.
O teu corpo em minhas mãos
E eu me vendo acima de nós
A te amar.

Algo se esvai nessa concentração
Superior,
Perco muito
Por não me perder de todo.

E se inteiro me perdesse,
Teria a posterior plenitude
De não ter que nos recompor
Por palavras.

Teríamos a suma identidade
De um terno momento
De esquecimento.

Acho que poesia serve para
Lembrar
Tudo que não deveria ser
Poesia.

Luicen Clergue, Nu de la Forêt, 1971 (daqui)


























Mais e sobre Lucien Clergue AQUI

domingo, 18 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (17)

ÍNTEGRO

Um dia feliz de verdade:
Não requereu de mim
A nobre dureza de um diamante
Para dividi-lo em 86.400 partes.


Josef Koudelka, foto tirada em Praga, 1968

















Mais de J. Koudelka AQUI

sábado, 17 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (16)

COM FIANÇA

Quantos seres humanos
Neste momento
Admiram o céu azul?
Eu sou apenas mais um.

Ocorre que me faço
Decorador de exteriores
Com meu próprio interior:
Oponho ao céu
Uma moldura de janela
E pinto à volta dela
Com obscura cor,
Até onde alcance
A minha visão periférica.

Janela e parede
É este poema
Que resenha a cor azul.

E que prepotência,
Do enorme poema
Suspenso lá fora,
Recortar curta estrofe
Para afiançar
A minha abrangência!


Harry Callahan (1912-1999), Eleanor, 1948.





















Mais de Callahan AQUI

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (15)

REFRÃO

Querida, minha querida,
Perdoe a ilusão do mundo
Em crer
Que possa haver outra vida,
A minha vida,
Distante de você.

Robert Doisneau

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (14)

O FUNDO E A FIGURA

Seria um lobo?
Seria um cão?
Faria diferença,
Sendo dominantes
A neve,
O ermo
E a solidão?


Garry Winogrand (1928-1984), Dog and Tree


























Mais de Winogrand AQUI


Um vídeo com fotos do livro Women are Beautiful de Winogrand AQUI

terça-feira, 13 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (13)

DIMENSÕES

No cânion
Urbano
Transito.
Como escapar
Ao rito
Diário
De me
Redimensionar
Nesse vai-vem?
Quanto maior
O rio de rostos
Aflitos,
Mais me contraio,
Menor eu fico,
Extranumerário
Ninguém.

Mas a enxurrada
Anônima
Ao poucos
Se dissipa
Pela urbana
Vicinalidade,
E assim
Me reponho,
Entre poucos,
À mediana
Identidade,
Até chegar
Ao perímetro
Solitário
Onde se me
Acrescento
Aumento
Extraordinário
Para, enfim,
Nesse ermo,
Ser eu mesmo
O absurdo
Totem de mim.


Andreas Feininger (1906-1999), 5th Avenue at Lunchtime,
1950


























Mais de Feininger AQUI

Vídeos sobre Feininger AQUI

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (12)

DESPRENDIMENTO

De algum voo inexato
Caiu uma pena a minha frente
Qual um souvenir.

Não era uma perda
Para o pássaro,
Hóspede do momento instintivo
Que não tem lembranças de viagens.

Eu é que tenho as memórias
De pássaro tolhido, e por isso
Amo todos os signos desprendidos
Da liberdade.

Harold Edgerton (1903-1990), Pigeon in Flight, 1965.




















Mais sobre Edgerton AQUI

sábado, 10 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (11)

GESTOS

É bonito o gesto
De retirar um palito de fósforo à caixa,
E deslizando-o contra a suave lixa
Apoderar-se de uma chama breve
Que faz incidir uma aurora relâmpago
Na concha da mão que a sustenta.

Mas não seria de tal natureza -
Esse tirar do escuro disparo único de incandescência -
A beleza da palavra que inicia um poema.

Mas pensemos no gesto aparentemente
Falho
De deixar cair o conteúdo da caixa ao chão:

Eis aí um vislumbre do universo poético,
Uma galáxia derreada
Que não pode ser inteira incendiada
Pelos olhos.

Dessa oferta combustível caótica
Que estrela primeira, ainda apagada,
Será recolhida?


Alexander Rodchenko,  O Poeta Vladimir
Mayakovsky, 1924


























Mais de Rodchenko AQUI

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (10)

FIADOR

Ó sol,
Socorre-me
Nesta insolvência,
Salda em parcelas,
A perder de vista,
A minha dívida com a noite.


Edward Steichen, (1879-1973), The Flatiron, 1904.


























Mais de Steichen AQUI e AQUI

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (9)

LÂMINA

Talvez uma lasca do dia de hoje,
Fantasticamente ampliada,
Baste para mapear
Todo o código da minha vida.


Sára Saudkova, The Boy, 1999









Mais de Sára Saudkova AQUI

terça-feira, 6 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (8)

ACRE CULTURA

Leitura de espinhos
É feita pelo tato
Destemido,
Espécie de acupuntura
Aflitiva e inevitável
(Ou talvez não:
Para quem queira viver
Blindado por iletrada
Negação).

Para os demais,
Os textos sentidos
Da vida,
Aguda textura,
Não serão decifrados
Sem ferimentos
Nos dígitos:
Algumas vogais
Tirarão sangue,
E consoantes
Serão abafadas
Por gemidos e ais.

O pior é que, talvez,
Nenhuma flor
De brandura
Surja suave e nítida
Após os aguilhões.
Mas, insista-se na leitura,
Pois, segundo dizem
Os hermeneutas infelizes,
Menos importa a flor
Que a espinhosa procura.


Karl Blossfeldt (1865-1932), Nigella Damascena

























Mais de Blossfeldt AQUI

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (7)

AUFKLÄRUNG

Silêncio!
Alguém irá dizer
Algo inaugural.
Silêncio...

Atenção!
Alguém irá mudar
O rumo do mundo.
Atenção...

Esperem!
Alguém encontrou
A chave-mestra.
Esperem,
Quantas voltas...

Seamus A. Ryan, Sem título.

























Mais de Seamus Ryan AQUI

domingo, 4 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (6)


ENCONTRO

Somos sós,
Nós dois
Entre o céu
E o solo
De cinzas
E chumbo.

Somos ou
Não somos o
Alfa e ômega
Do mundo?

Robert Doisneau, Amor e Arame Farpado, 1944

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (5)


FÍSICA

A palavra,
Que não é matéria,
Deveria sobre a liquidez da vida
Boiar.
No entanto –
Por que mágicas trágicas? –
Adquire sobrenatural densidade
E afunda.

Não sei da tua,
A minha não queria se afogar.
Mas sequer um epitáfio de luxo,
Que recebe maior empuxo,
Eternamente flutuará...

Man Ray, Marcel Proust em seu Leito de Morte, 1922




















Mais de Man Ray AQUI

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (4)


CONTATO

Tenho os dedos
Presos ao teu corpo
Por milhares
De capilares
Elásticos:
Continuo a te tocar
Mesmo quando,
Por dever,
Afasto-me.

Edward Weston, Nu, 1945