Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

terça-feira, 30 de agosto de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (3)


TAMANHO

Então, é tudo diminuto,
E é hábito vão
Pensar em escalas.
Quantos de mim, soberanos,
Caberão nesta sala?

É tudo diminuto,
E tão temerário é lidar
Com coisas pequenas.
É preciso se munir de pinças
E lentes,
Suportar o desespero
De estar sempre atento,
Pois uma pressão a mais
Provoca fraturas discursivas:
- Isso era uma carícia, não um insulto!

E muito se perde, por diminuto,
E se extravia:
Correm rapidamente para os cantos
As minudências,
E por descuido se esmagam
Diminutivos carinhosos.

Requer cuidado
Esse viver diminuendo.
Esquece qualquer preeminência:
Tu desapareces na ampliação,
Um aglomerado de pontinhos frágeis,
Ato de prestidigitação pelo qual és visível
E invisível a um só tempo
(Dentro de Gulliver há um mecanismo
Movido por homenzinhos de Liliput).


Tudo é diminuto,
Mas consola que também o seja
O derradeiro minuto de espaçamento.


Diane Arbus, Jewish Giant at Home With his Parents, 1970





















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domingo, 28 de agosto de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (2)

IMBATÍVEL

Quem derrotará o minotauro
Faminto
Que habita o labirinto
Das tuas rugas?

Dorothea Lange, Hopi Man, 1926



















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sábado, 27 de agosto de 2011

TEMPO DE EXPOSIÇÃO (1)


EMBOSCADA

Silêncio:
Ouço músculos tensos:
Suave roçar das coxas.

Um doce odor imprevidente
Antecipa-se e delata o que virá:
Uma ninfa sobre mim irá saltar.

Bem-vinda  nudez insidiosa!

Edward Weston, Nu, Bertha Wardell, 1927

























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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (56) - FINAL


UVAS

Bonita palavra é ‘doravante’!
Não importa que não preveja
A extensão da vida e o acaso,
Posto que todo avante termine
E tenha prazo,
E haja um muro lá na frente
Que não contornarei.
E daí que não o ultrapasso?!
Os meus passos irão se entender
Com estes sapatos concretos,
Tão ignorantes de futuros caminhos,
De retas, de curvas, de geometrias!
E há este jornal do dia
Lido como renovável pergaminho;
E há este copo de vinho
Meio esvaziado;
E há roupas por despir de um vestuário.
E carros passam lá fora
Com itinerários cifrados.
E você chega agora, os longos cabelos
Molhados da tarde de chuva,
E se queixa dos preços do mercado.
E se põe a lavar uns cachos de uvas,
Verdes uvas.
E amo a sua silhueta contra o basculante
Da cozinha, paz tão minha!
Que importa doravante
Senão as uvas
Tiradas uma a uma ao cacho,
Cuspidos os caroços
Com langor e charme
Enquanto nossos ossos
Ainda estão por baixo
Da carne?

Picasso, Escultor e Modelo, água-forte

terça-feira, 23 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (55)


ORGÂNICO

Éden subscrito,
Serão flores
As dores?
Pétalas
As lágrimas?
Sépalas
As mágoas?
Borboletas
As feridas?
Mansa relva
A injustiça?
Pólen
O edulcorar
A vida?

Poesia,
Desanuvia
Os meus olhos,
Tem piedade
De mim!
Eu não quero,
Com esmero,
Estrumar
Um privado,
Inútil,
Fútil
E volúvel jardim.

Franz Krajcberg, xilogravura, 2003 (Daqui)




















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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (54)


AMPLO

Eu já me distendo, praia
Na maré baixa;
Ora vejo dois horizontes.
E as desilusões,
Outrora grandes ondas
De afronta e perda,
Vêm em vagas notícias,
E me beijam humildes
A fronte,
Larga faixa, serena, seca.


Mira Schendel, s/título, gravura (monotipia), 1966 (Daqui)

sábado, 20 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (53)

A VIDA

Vi nuvens negras
Apressadas,
Como que atrasadas
Para um encontro
Comigo
Noutro lugar.

No entanto,
Não ventava...

E havia luar!


Mario Gruber, Idílio na Noite, gravura em metal, 1963



















Mais de Mário Gruber AQUI

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (52)

A PALAVRA MORTE

Mover maxilar
E mandíbula,
Martelar
Aquela palavra
Unívoca,
(Diamante terrível)
A mais resistente
E densa,
Triturá-la
Até os limites
Do incompreensível,
Da falta de siso,
Da aparente
Desavença,
Mesmo que me quebre
Os dentes
E me custe o sorriso
De nascença.


José Guadalupe Posada, La Catrina, xilogravura, 1895



















Mais sobre Posada AQUI

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (51)

DO SÍMBOLO

É tanto o que não vejo
A despeito do ensejo
De olhar.
Só perceberei perfiladas
As duas faces da moeda
Se, no espelho, uma delas
Desvalorizar.

Doutro modo,
Serão perfis alternados,
Visão bipolar;
Ou unidos, e presumidos
Na espessura,
Sem feição, cara ou coroa.
Sem figura.


Escher, Fita de Moebius I, xilogravura em 3 cores, 1961

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (50)


REMOÇÃO

E as palavras surgem aos poucos
De onde não eram percebidas,
Providentes formigas
Ao redor dos despojos
De um animal maior:

É a sensação morta
Que o poema transporta,
Alheia a si, ela migra:
Que estranha ilusão de sobrevida!


Escher, Fita de Moebius II (formigas)
Xilogravura em três cores, 1963.



terça-feira, 16 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (49)

NAS SUPERFÍCIES

De profundo, nada.
O mundo, clichê lacônico,
Nas anódinas fachadas
Nunca alteradas
Por descontínuos ventos:

Frases da década de sessenta
Grafitadas
Ladeiam os letreiros coloridos,
Que anunciam aos insaciáveis
Os inoxidáveis novos tempos.


Barbara Kruger, Sem título, foto-offset litografia e serigrafia

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (48)


DEMANDA E OFERTA

A inspiração só me cede
O que não peço,
Não quero a face avessa,
Duvidosos versos
Saltando duma jazida.
Almejo a lavra amnésica,
Ao contrário, e ativa:

Enterrar o poema
No anverso da vida.

Iberê Camargo, gravura em metal, 1966.

domingo, 14 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (47)


DATAS

Para todos os dias
Fracionados,
Os inevitáveis
Dois vinte quatro
Avos
Com tristeza:
Não há como remover
Aquela ausência à mesa.

Käthe Kollwitz, litografia sobre papel japonês,  1903.


sábado, 13 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (46)


PARADOXO GEOGRÁFICO

Vejo mundos fantásticos!
Porém, enquanto os sinto
Não posso transcrevê-los.

Se de silêncio é sua geografia
E a descrição
O ato mesmo de perdê-los,
Alguém me acreditaria?


Fernando Luchesi, A Árvore da Vida, serigrafia, (Daqui)




















Sobre Fernando Luchesi AQUI

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (45)


SEM PALAVRAS

            Ternura,
Suave pálpebra
Sobre o olhar imperfeito,
Suspende a procura
Dos defeitos da causa:
A pergunta pousa,
Cinza borboleta;
A palavra, de súbito obsoleta,
                Pausa.

Antonio Poteiro, Árvore, serigrafia (Daqui)




















Sobre Poteiro: http://www.antoniopoteiro.com/

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (44)


IMPRESCRITÍVEL

A poesia tem
Advogados,
Professores
E sacerdotes.

A poesia tem
Concílios,
Conciliábulos
De autoridades
Com capuzes
E archotes.

Mas não a minha,
Pequenininha,
Que não tem papas
Na língua ativa
Que vai a Roma
Sem propedêuticas
Acadêmicas
Ou diplomas.

Apenas sabida
Se viva assoma
Nas papilas
Gustativas.

Goya,  água-forte da série Los Caprichos, 1796-1798

terça-feira, 9 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (43)


INFRA

Sob o obturador da minha
Pele
Não trabalham no escuro
Vísceras e músculos:
É luz que maceram,
Inda que luz de crepúsculo.


Antoni Tapies, Sem Título, litografia, 1967

domingo, 7 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (42)

NARRATIVA

Longa busca
Inconclusa.
Sede constante.
Implacável cerco.
Exausto
Enfio a cara
Na areia quente.
Abro a boca para gritar
O brado libertador
Que no peito aperto,
Mas engasgo com o deserto.

Emil Nolde, O Profeta, xilogravura, 1912

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (41)

UNO OU MÚLTIPLO

Em geral almejo um poema vário
Efeito de um prisma primordial
Pelo qual passe o sentido totalitário
E pérfido do universo,
Vazando doutro lado um ser plural.

Mas para te ofertar no transe da dor
Quero algo diferente, unitário;
Forma fechada
E contraída de fusão dos contrários,
Elipse continente
De toda chuva, todo rio, todo oceano
Aparente;
Lágrima ímpar de esperança inundada
Junto ao teu peito, escapulário,
Pingente.

Miró, Composição, litografia a cores  (daqui)

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (40)

CONSTANTE HUMANA

Todos os idílios
Tornaram-se críveis,
Cotidianos os impossíveis,
Acessíveis as coisas raras!

Ah, ainda assim,
Essencialmente,
Eu não mudara.

Regina Silveira, Metamorfo II, litogravura, 1980 (daqui)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (39)

PÉLAGOS

Há ilhas em mim
Que não estão no mapa dos cinco sentidos:
Olhos, nariz, boca e ouvidos
Não reconhecem tal arquipélago
Nem dele sabem os radares da minha pele
Continente.

Lá vivem degredados
Mitos ilhéus sem face
E cegos como Tirésias
Porque vivem sob um céu anterior aos astros
No extremo arcaico do meu império
Onde esse sol dos trópicos nunca nasce.


Picasso, Minotauro Morrendo, água-forte da série Suíte Vollard

terça-feira, 2 de agosto de 2011

PROVAS DO ARTISTA (38)

QUIROMANCIA

Um dia, algo cairá das minhas mãos
E não saberei por quê.

Um dia, estarei diante daquela porta
Como se fora o filho pródigo,
E ao adentrá-la estarei saindo.

Um dia, nascerá do meu coração uma árvore.
E não será uma secóia.

Um dia, farei uma escada com meus livros
E o último degrau será a borda dum abismo.

Um dia, irei ao cemitério como quem vai
A um batizado,
E compreenderei tudo o que amei
Me acreditando odiado.

Um dia, o vento dirá com dicção clara
A frase apócrifa que numa noite medonha
Me sussurrara.

Um dia, saberei que poderia ter tido a vida
De qualquer outro,
Fosse o pássaro, o peixe, o cordeiro ou o lobo.

Um dia mirarei as estrelas da Via Láctea,
E me será indiferente se o que vir for
Muito ou pouco.


Rembrandt, A Volta do Filho Pródigo, água-forte.