Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

terça-feira, 30 de novembro de 2010

SONS

Para o sentido da paisagem
A poesia não me abriu os olhos:
Eles já eram expertos.

Ela abriu os meus ouvidos.



CONTÍNUO OU DESCONTÍNUO?

Parece que a poesia
desdobra o ano
em 365 estações.

Ou quer a poesia
um ano
sem estações?

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (9)

O nome do dia
é tal um corpo
para uma alma insubmissa.

Um número que determina
uma reencarnação.
Uma caixa de vidro baço
para conter a luz.

Estou, então, dentro e fora
do dia.
Uma parte de mim se repete
apenas porque é terça-feira;
outra parte maior
não segue a ordem do dia.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

INESPERADO

Um vento adoçado
Reanima
A tarde hipoglicêmica.

Miró, Azul nº 3

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (8)

Um carro de som
passa com seu irritantes anúncios
locais:

recargas de cartuchos;
o pão da padaria do bairro;
a sapataria tal, a papelaria tal:

jingle bells
jingle bells, jingle... Jingles!

Já é outra segunda-feira. Feira!
Já chega outro dezembro. Feira!
E tão rapidamente.

A expressão "lá fora" significa
tudo que não posso afastar
do meu bunker.

domingo, 28 de novembro de 2010

DESCONCENTRAÇÃO

Desisti de contar as ondas
Quando a última tocou os meus pés
E me fez perder a conta:
Levou consigo todos os números.

Entrei no mar simplesmente.

Marinha de William T. Richards

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (7)

Neste domingo o azul é imperante:
refiro-me ao azul celeste
(sem simbolismos).
Nuvens tão esparsas
que posso até contá-las:
o resultado não ameaça
o tom maior do dia.

Infelizmente, a minha posição
geográfica,
faz com que tudo o que digo
pareça alegoria.

Estou mesmo só olhando o céu.


sábado, 27 de novembro de 2010

TALVEZ

Talvez eu diga algo fatal
Porque sou acidental.

Chagall, A Queda de Ícaro

PERFEITO

O meu olhar não sai
Do haicai
Que é o teu sorriso.

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (6)

Abri a janela
buscando na face do sábado
um signo visual,
um distintivo qualquer,
uma cicatriz que fosse.
Mas não há.
O sinal é sonoro:
um vocalise triste,
distante,
quase uniforme.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MAIS QUE REAIS

As imagens tremem:
Sismos visuais.
Não são cismas minhas,
São mesmo ultra-reais.

Jesus-Rafael Soto, Spiral (1950)

CORPO

Um mar compacto
Impede a fuga de mim mesmo;
Não tem transversais esvaziadas,
Veias secas:
Não é um mar verm( )elho.

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (5)



Quando reparei nela
pela primeira vez,
a sexta-feira era apenas 
um esboço de madrugada
carregada de nuvens.
A chegada do sol
não cobriu inteiramente
a versão inicial:
ele não passou uma borracha
naquilo tudo.

2

Mas aquela cigarra urbana
parece que combinou comigo!
Mas não pode ser a mesma,
salvo se é delírio.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

EXPLETIVO

Deixa-me pôr para fora
O que aqui dentro desconvém,
O que de dentro não sei,
O que de dentro não vem.

REEDIÇÂO

A tua boca
não fala
por si,
doce,
reedita
a fala
de Afrodite.

Interferência minha sobre imagem da Afrodite "Cabeça Kaufmann"

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (4)


Há um silêncio-mormaço
nesta manhã de quinta-feira;
as referências são estacionárias:
eu que as ultrapasso.

Ora, eis que ouço uma cigarra!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

PRESUNÇÃO IRRACIONAL

Não adianta te disfarçares,
Reconheço teu olhar:
Bem sei que não és ainda
A verdadeira vida!

James Ensor, Máscaras Escandalizadas, óleo, 1889

EPIGRAMAS NÃO ILUSTRADOS (LITERALMENTE) (3)

DA IMAGINAÇÃO.

Eros está sóbrio
quando livre brinca.
Se embriagado,
tropeça na própria língua
e logo dorme.

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (3)


Nesta quarta-feira
um apontamento real
tem de incluir o medo.
O rio corre entre ilhas de pânico.
O canto dos pássaros é baixo
sob projéteis de asas soturnas
que estouram no ar 
sem qualquer artifício.
Um viver tenso.
E eu propenso a subir no mapa
rumo a outro mar.

Isto já não é mais um apontamento.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

NOTURNOS



Na minha noite
haverá luas,
serão essas duas
no teu colo
ancoradas.


APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (2)



Terça-feira dissimulada
ou pudica:
mesmo acalorada,
mal mostra os joelhos
ao sol.

PREFÁCIO CONTÍNUO

O todo é o empenho
Em me auto-conhecer
Injetando o contraste
Da alteridade em tudo.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

POESIA ANDANTE

Que guia me trouxe
A este círculo vicioso
Do inferno
Que nunca se avoluma
Numa esfera real?

Gustave Doré, ilustração para a Divina Comédia, de Dante

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (1)

A segunda-feira
acordou num susto:
o sangue azul lhe fugiu das veias.

Ainda não voltou a si.

domingo, 21 de novembro de 2010

INTEGRAL

Há um breve tempo
em que o jardineiro
não cultiva a memória
das flores:

elas estão todas
(todas!)
no presente mais
que perfeito.

Van Gogh, Mademoiselle Gachet no Jardim.

EPIGRAMAS NÃO ILUSTRADOS (LITERALMENTE) (2)

SEM TELEOLOGIA (SE JÁ FOI DITO ANTES, PERDÃO; É A VIDA)


O cheque da vida
Não é pré-datado.
Pode até ter fundos,
Mas não foi assinado!

sábado, 20 de novembro de 2010

PANE

Entram versos
- esses pássaros –
nas turbinas do cotidiano!

Desenho de Luiza Maciel Nogueira, retirado DAQUI



SENTIDO?

- Às favas com a lucidez!
Tome tudo pelas raízes absurdas:
o dizer consentido
sequer fere o silêncio ambiente.


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

DEITAR FORA

Há um peso morto
livresco
na minha mochila
de andarilho.

Gustave Courbet, Bom dia, Monsieur Courbet, óleo s/ tela (1854).

EPIGRAMAS NÃO ILUSTRADOS (LITERALMENTE)

AGNOSTICISMO

a-

Não ouço nenhum movimento
No andar de cima da vida.
Mas pode ser um morador
Extremamente discreto.

b-

Alguns crêem que Deus tem todos os direitos
Reservados: copyrigth.
Outros pensam se tratar de uma licença copyleft.
Outros tantos acham que a obra já caiu
Em domínio público.
Quanto a mim, ainda me pergunto se a obra
Em questão
Merece ter autoria reconhecida ou não.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

VIAGEM

Sou doméstico.

Mas levo a minha casa
pelo o mundo:
sou um caseiro-viajante.

Matisse, foto de Henri Cartier-Bresson, de 1944

DO PODER RELATIVO DAS PALAVRAS


Impotência




Potencial



quarta-feira, 17 de novembro de 2010

DA PARCIALIDADE DOS MEUS SINAIS



Aqui há tão somente
a minha semi-ótica.
A outra metade você trará.

Prometo não replicar.

Max Ernst e Dorothea Tanning

AINDA LÁ FORA

Deixe a porta aberta
que a poesia concreta
há de vir
quando eu sair.

Matisse, O Violinista à Janela, 1918

terça-feira, 16 de novembro de 2010

INTERFACE




Sobre uma das versões de Cézanne para a Montanha de Sainte-Victoire.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O QUE É O QUE É




* Com uma interferência sobre um auto-retrato de Courbet

ENGANO COMUM

Um toque no ombro:


- Eu... gênio?!
- ...!
- Ah, perdão! Pensei que fosse outra pessoa...

domingo, 14 de novembro de 2010

CONFLUÊNCIA

Chove.
Algo se remove
dos telhados
e se junta às ruas.

Algo se revolve
na terra, se evola
e flutua.

Algo volve
para as águas:
as corolas nuas.

Algo me comove
( os olhos úmidos):
lembranças tuas.

Chove.

E algo absorve
a minha alma
crua e agreste
da chuva
que, preste,
chove!





















Caillebotte, The Yerres, Rain - óleo - 1875

sábado, 13 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

FUGA

Os cães grassam.
A caravana estaca
.
Escapo lírico,
o olhar liberto,
o coração frutuoso,
amparado
no nunca deserto.





















Paul Klee, Dois Dromedários e um Burro, aquarela.

FUMAÇA

Fumo.
Fumo a vida a mente o futuro
que entendo fumo.





















Van Gogh, Esqueleto Fumando Cigarro, óleo (1886)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

INTERIOR

A sala ampla.


    Mesa posta.


            Seis cadeiras
            num simpósio
            de ausências.

UNIFORMIDADE

Para um amplo consenso
convém cimento?

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

HAICAI DO CABO BRANCO

O vento adensado,
Agudo como um buril,
Desenha nas falésias.




Farol do Cabo Branco, João Pessoa, PB. Foto: Cacio Murilo

Imagem retirada DAQUI


EM CÍRCULOS

O tempo
é porta giratória:
distraído saio
sem sequer entrar.

domingo, 7 de novembro de 2010

FLORAL

(Para Juliana, minha filha)


Mensageira de todos os jardins futuros,
Flor andante,
O seus olhos perfumam
As minhas alamedas para o mundo.

OLHAR

Se houvesse apenas
uma verdade total
e evidente lá fora,
tudo seria ciência natural,
aqui, agora.

Mas, a poesia existe
porque há um lado de dentro
que quer ser visto
como lado de fora.




Man Ray, Undestructable Object

sábado, 6 de novembro de 2010

QUADRA

Basta uma nesga de terra
Pra luta recomeçar,
Entre o medo de partir
E o pavor de se arraigar.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

FORA DE ALCANCE

Eu só quero falar
do que não alcanço:
o ar perdido dos pulmões;
aquela auréola de luz
que envolve o inseto
zunindo ao sol;
segundo por segundo
tudo que sucede
depois que as mãos
largam o trapézio-pêndulo,
o trapézio sob a lona do circo,
não a forma geométrica
- deserto que nada diz
de mim para mim mesmo.

















 Marc Chagall, O Circo

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

LONGE, PERTO

Serão sete léguas
percorridas.
Os meus pés se vão.

Fico aqui a ver navios
num portfólio da vida.






















Renoir, Monet Lendo Jornal, óleo s/ tela.

DA BUSCA

Buscando palavras
como quem aponta
estrelas cadentes...
Até o momento,
vi passar
uma apenas:      “tarde”.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

INVENTADO

A árvore
ora se inclina
para o chão.
Não há vento.
Eu o invento
na paisagem,
toda ela
verde alucinação.



















Piet Mondrian, A Árvore em Flor, óleo sobre tela

HUMANAS CIÊNCIAS

Não quero ter olhos de cientista
Para olharos meus semelhantes.

INEVITÁVEL

A palavra termina revestindo a vida
que eu pretendera desnudar.





















Lucien Freud, Garota com Olhos Fechados, Óleo s/ tela, 1987

URGÊNCIAS

Penteando a paisagem,
cai urgente
a chuva fina.

Um cheiro antigo
acaricia as narinas,

mas logo o corrompe
o odor de outras urgências:
                gasolina.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

UNO

Eu poderia ser chinês. Russo
eu poderia ser. Eu poderia ser
francês, esquimó, grego, beduíno,
judeu, tailandês, palestino,
aborígine, nórdico, africano
ou todo et cetera humano.
Qualquer rosto desse multiplicado
ser de esperança, desesperado,
eu poderia ser.




















Marcantonio, Monotipia

Outras imagens minhas AQUI

PALAVRINHAS (6)