Não sei por que você tanto compra.
Minto, sei por que você tanto compra:
Por fé. Fé nas coisas fugidias.
Compra pequenas borboletas
Que adejam longe dos cemitérios.
Compra aqueles bichinhos
Que fogem da mata escura.
Compra peixinhos dourados
Que são lançados para fora do rio.
Compra óculos escuros
Para amortecer a visão do tempo.
Compra vendas lúdicas
Para brincar de cabra-cega com a vida.
Compra pais-nossos e ave-marias
Customizados em forma de sapatos,
Bolsas, roupas e aparelhos eletrônicos.
Compra para poder participar
Da romaria, carregando o turíbulo
Do seu perfume confundível
Pelo deambulatório da igreja profana.
Compra pequenas lascas de cruz-neon
Do capital senhor.
Compra a hóstia frita e o copão de 350 ml de vinho
Na abside-praça de alimentação.
Compra, compra, compra, compra
Indulgências baratas,
Porque, e afinal,
Não há lírios do campo
Nas vitrinas enfeitadas
Com a glória de Salomão.
Sigmar Polke, Measuring Clothes, pintura sobre tela, 1994 |
9 comentários:
Capital!
Quando ouço esta palavra"SHOPPING" minha carteira treme.Mravilha poeta e que os lirios fiquem nos campos..
GAGAU
...boa surpresa, neste domingo de silencioso carnaval... bjs
Troca 12 apóstolos por 12 meses no cartão (sem juros nem juras).
Descobriu meu tão bem guardado segredo...
:)
Principalmente os "óculos escuros para amortecer a visão do tempo".
Mais que belo poema, uma análise sócio-comportamental das nossas carências.
bj
Rossana
Bom dia!
A vida vale apena quando encontramos escritos como o seu.
Simplesmente adorável.
Grande abraço
se cuida
É o vazio, Marco....o grande vazio e esse não saber onde encontrar o que poderá preenchê-lo. A gente compra a nova pele, quando já não nos serve esta nossa tão ressequida, e ela se oefrece nas vitrines em todas cores, em vários tecidos.
Beijos,
compra, compra, compra
consome, consome, consome
mais, mais, mais
e para quê?
boa interrogação, boa afirmação
beijinho
LauraAlberto
Apesar de todas as minhas críticas ao consumismo, me sinto identificada a esse feminino contemporâneo. Só um poeta mesmo para transformar um shopping em pintura poética.
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