O corpo não tem repouso
Enquanto é barro ao ponto de modelar.
Nele trabalham dois escultores
Contrapostos em seus postos:
O acadêmico tempo
E a emoção contemporânea.
O primeiro trabalha com os dedos
Automatizados
Para representar a flacidez muscular
E a textura cutânea;
A segunda transtorna e sova a massa
Com os punhos cerrados,
Ou alisa a superfície brevemente
Com um indefinido estado de graça.
A figura jamais chega ao pretendido
Estágio de se copiar na cera frágil
Para que esta, diferente da vida,
Perca-se derretida pelo bronze quente
Que esfriará como forma permanente.
A própria massa ressecando-se
Determina a forma final exata,
Própria para ingressar no forno
Da terra fofa
De onde jamais retornará estátua.
Alberto Giacometti, Walking Man II, bronze, 1948. |
8 comentários:
Muito perfeito. Eu gosto de ler meio que em voz alta para dar sonoridade. E seu poema é o próprio trabalho do corpo.
É isso.
Nada melhor do que um poema inteiro.
Perfeito, Marquinho. Perfeito!
Beijos,
se integrar à imperfeição é quase um exercício de quem tenta ser autêntico. adorei o poema Marco
um beijo
Pode ser que nos molde aquilo que moldamos. concorda, poeta?
Plástico e lindo, como sempre.
Um abraço,
Ana Ribeiro
E interessante como a busca pela perfeição nos leva de encontro a beleza da imperfeição... Bacio
Sensacional o lance dos dois escultores. Não vou querer contestar.
Aproveitando, deixo aqui um vídeo para xs leitorxs do espaço:
http://vimeo.com/40411264
Estive em São Paulo só pra ver a exposição do Giacometti na Pinacoteca. Além das mais célebres, haviam umas pequeninas esculturinhas dele, como a nascer de bases cúbicas, que não tinha notícia de existirem. E bom também ver os desenhos e pinturas - os desenhos como que construídos por uma sucessão de linhas a refazer várias vezes quase o mesmo caminho das anteriores, numa insistência que parece sinalizar a necessidade de afirmar e afirmar, como um tempo que se repete, uma ato que se repete no tempo do espaço do papel ou da tela, e que resulta numa espécie de veladura da figura - o tempo acumulado: no corpo? Esse corpo "não tem repouso"...
Abraços!
No forno da terra é impressionante!!!!!
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