Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

sábado, 14 de abril de 2012

COLEÇÃO PARTICULAR (28)

A PERDA DO MOLDE

O corpo não tem repouso
Enquanto é barro ao ponto de modelar.
Nele trabalham dois escultores
Contrapostos em seus postos:
O acadêmico tempo
E a emoção contemporânea.
O primeiro trabalha com os dedos
Automatizados
Para representar a flacidez muscular
E a textura cutânea;
A segunda transtorna e sova a massa
Com os punhos cerrados,
Ou alisa a superfície brevemente
Com um indefinido estado de graça.

A figura jamais chega ao pretendido
Estágio de se copiar na cera frágil
Para que esta, diferente da vida,
Perca-se derretida pelo bronze quente
Que esfriará como forma permanente.

A própria massa ressecando-se
Determina a forma final exata,
Própria para ingressar no forno
Da terra fofa
De onde jamais retornará estátua.

Alberto Giacometti, Walking Man II, bronze, 1948. 

8 comentários:

Letícia Palmeira disse...

Muito perfeito. Eu gosto de ler meio que em voz alta para dar sonoridade. E seu poema é o próprio trabalho do corpo.

É isso.

Nada melhor do que um poema inteiro.

Tania regina Contreiras disse...

Perfeito, Marquinho. Perfeito!

Beijos,

Luiza Maciel Nogueira disse...

se integrar à imperfeição é quase um exercício de quem tenta ser autêntico. adorei o poema Marco

um beijo

Ana Ribeiro disse...

Pode ser que nos molde aquilo que moldamos. concorda, poeta?
Plástico e lindo, como sempre.
Um abraço,
Ana Ribeiro

Menina no Sotão disse...

E interessante como a busca pela perfeição nos leva de encontro a beleza da imperfeição... Bacio

Fred Caju disse...

Sensacional o lance dos dois escultores. Não vou querer contestar.

Aproveitando, deixo aqui um vídeo para xs leitorxs do espaço:
http://vimeo.com/40411264

há palavra disse...

Estive em São Paulo só pra ver a exposição do Giacometti na Pinacoteca. Além das mais célebres, haviam umas pequeninas esculturinhas dele, como a nascer de bases cúbicas, que não tinha notícia de existirem. E bom também ver os desenhos e pinturas - os desenhos como que construídos por uma sucessão de linhas a refazer várias vezes quase o mesmo caminho das anteriores, numa insistência que parece sinalizar a necessidade de afirmar e afirmar, como um tempo que se repete, uma ato que se repete no tempo do espaço do papel ou da tela, e que resulta numa espécie de veladura da figura - o tempo acumulado: no corpo? Esse corpo "não tem repouso"...

Abraços!

Bípede Falante disse...

No forno da terra é impressionante!!!!!