Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

ABECEDÁRIO (j)



“J”, DE JUSTIÇA

Não me canso de rever o pôr do sol,
mas estou cansado de ler poemas
que não possa decompor em estrelas.

Não cansa o firmamento que teu corpo é,
mas estou cansado da palavra incorpórea
e sua via contraditória:
exala-se de um organismo carnal e finito
e ainda aspira encarnar um dito imortal.

Não me canso de olhar o céu,
galeria de mutantes esculturas,
mas me fatiga ver a serenidade do papel
conspurcada e ofendida
pelo ruído das rasuras.

Estafam-me as letras, as linhas enfileiradas,
descolaria uma com que enforcar o poema
no limbo do alto da página,
e assistiria o vento pendular das horas
balançar sua lírica ossada.


Christian Boltanski, Théâtre d'ombres, instalação, 1984. Daqui.



2 comentários:

Batom e poesias disse...

Pelo que aparenta, seu papel jamais serena, e seu poema decompôs-e em estrelas, a despeito do seu cansaço.

Bjs
Rossana

Tania regina Contreiras disse...


Penso em papéis brancos serenos...Existiriam, à frente do poeta?

Beijos,