Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

domingo, 31 de março de 2013

ABECEDÁRIO (p)



“P”, DE PLACIDEZ


Não posso contribuir para a enorme antologia
De poemas sobre o espelho,
Não há o que especular:
Essa imagem que não diverge de mim
Na lâmina fria
É apenas marionete servil
Que movo com auxílio de fios de luz.
E nem há como supor que seja eu o reflexo aprisionado
E ela o animal racional que me observa
Dum extremo quadrangular de outro mundo:
Tenho alento que a embaça.

E me atenho cegamente às leis da ótica
Que fui capaz de decorar na escola.

Além do mais, os reflexos da toalha de cor sanguínea
Pendida do toalheiro (me lembra um pedaço de carne
Pendurado num gancho de açougue)
E dos objetos de barbearia e higiene
Na pia do banheiro (sobretudo o sabonete já gasto)
Impossibilitam qualquer divagação metafísica.


Anish Kapoor, Cloud Gate, Chicago

4 comentários:

Tania regina Contreiras disse...

Este é Marcantonio, que me joga nos labirintos até eu me perder pra me achar! :-) Muito bom.

Beijos,

lula eurico disse...

Antes que o azul esmaeça, eu deliro...

Abç

Dalva M. Ferreira disse...

Dois mundos se contemplam. Serei mais real que a realidade do espelho, só devido ao meu alento?

Thales Nascimento disse...

Fiquei intrigado. Tem tenta coisa nesta poesia- pelo menos pra mim. Gostei! Massa!