Eu já te vi
Em outra pessoa,
Com outro nome,
Outro endereço,
Diversa situação.
Era outro ano,
Outro pano de fundo,
Outra estação.
Eu já fiz colagem
Da tua alma
Noutro corpo,
Eram tão parecidas,
As personalidades:
Intercambiáveis.
Já passei por ti
Quando estavas
À janela de outra vida
Contemporânea,
Mas tinhas novo rosto,
Baixa estatura,
Outra compleição
Orgânica.
Por momentos
Flagrei-te com mil pernas
Em distantes cidades
Da Ásia, América, Europa
Oceania,
E usavas máscara
De multidão:
Um gesto de punho
Cerrado bastava
Como identificação.
Sim, vejo tantas pessoas
Geminadas
Com outras pessoas:
Parece fulana,
Lembra-me sicrano;
Tanto que deduzi
Ser um cisma subjetivo
A solidão.
Pois a única pessoa
Que jamais vi
Em outra pessoa
Sou eu mesmo.
Estranho sujeito
Sem essa objetiva
Transposição.
Então, se eu dissesse
Que já me vi em ti,
Desconfiaria se não eras
Minha invenção.
Josef Koudelka, em Portugal, 1976. |
15 comentários:
A camêra objetiva
flagra
várias
eus
nos
espelhos
e nos olhos
dessa
cidade.
Deu um nó. Este final nem Freud explica. Ou explica? Complicação pra começar o ano, rs
Bela imagem de tua sensível objetiva.
Lembrei tb de uma pessoa: Aneliese Roos, personagem de Osman Lins, em Avalovara.
E te deixo um abraçamigo..
Marcantonio, gostei demais. Você reflete, de forma muito bela, sobre um tema que tem me tocado bastante, ultimamente. E por um ponto de vista que nunca tinha analisado antes. Obrigada. Abraço.
Acho que tu és invenção minha. Por que me vejo em ti, muito. Esse "tu" poeta. E vejo-me falando aquilo para o que quase nunca tenho palavras. Tu tens. Será isso que me instiga tanto em teus poemas? Sei lá dizer...
beijos,
Caramba!!
Idealizei o novo blogue há algumas semanas, esperando o ano novo para inaugurar...rs!
venho aqui e leio um texto que poderia ser o texto de abertura do Transfiguração...
Engasguei!
Beijinho em estado de choque!
esse é o jogo da subjetividade, do eu-tu...eu sou eu, mas só me reconheço por ti...hum, lacaniano poema, marco. já nos bota assim pra pensar bem no inicio do ano quando há uma leve ressaca no ar?rsrs
Genial! Esse tema é assunto de muita gente que por vezes se perde em olhares e por vezes se encontram..
Beijos!
Ei, Marcantonio,
além das leituras passo para te deixar desejos de um 2012 repleto dos melhores momentos
e uma admiração pela sua escrita e sua escolha das fotos/imagens
grande abraço e tudo de bom
Nesse jogo de espelhos, em que tantas pessoas são uma e uma única pessoa desabrocha em tantas , penso na sequência de amor de Proust, em que amamos aquilo que inventamos, em que vemos alguém em outro e muitos outros em misteriosa tecelagem! Marcantonio, já desejei um livro teu, fico pensando se um dia haverá um livro. Mas a tua profusão é tanta e tão espantosa que não sei realmente se caberias em uma invenção chamada livro! Parabéns!!! Andas a nos fazer gostar mais da poesia e dos poetas!
Abraço
Esse olhar poético subreptício nos revela a busca permante de
nós mesmos, aqui, alhures, na Ásia, na África, além da Taprobana
ou em qualquer parte de nós mesmos.
Fotografamos, desenhamos,colamos,
pintamos, escrevemos, e às vezes,
(muitas!)buscamos, em vão,no outro a nossa própria face, que jamais é
revelada! Estamos sempre a
inventar, mesmo que seja um espectro ou mesmo um simulacro do
nosso eu. E nessa tentativa vou me
perdendo em palavras para falar
subjetivamente sobre o que tão belamente escreveste :) Que tentativa louca, essa minha!
um beijo
Adorei o poema como sempre
http://wandersondosreis.blogspot.com/
Muito bom, Marco! Recordou-me Pirandello.
Um abraço!
Marcantônio, bom dia.
São tantas as imagens desse poema,
que, a minha lente objetiva se perde
em subjetivas transposições!
Abraços poeta.
...o que eu acho genial em ti, Marcantonio, é este teu jeito "estranho", esta tua persistência na investigação - este especular.
E sem pretensão de encontrar qualquer final, talvez porque todo final seja relativo, ou porque o fim em si é desinteressante, gosto da forma como te colocas em relação ao novo, em nada preestabelecido: tudo a espreitar.
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