41 – interior com espelho neutro
O espelho não é um telescópio.
A tua alma não surge nele
nem quando o ar da tua boca
o embaça.
Tampouco a apalavra é o reflexo
que ao espelho devassa,
mas a carícia que o trinca
e nele brinca
de esconde-esconde:
quem? Quando? Onde?
Também o olhar não é a pedra
que nele se afunda e gera ondas
ou missivas aquáticas:
nele apenas rondas
a superfície estática.
O espelho também não é o Hades
em que Perséfone arde
e seduz;
é o andar de cima, o céu da sala
onde o desejo ignorado,
como nuvem,
dança um tango com a luz.
Mas se o espelho tanto amas,
é que nele surges viva
e outra,
ainda ostra,
lívida
e sedenta
de um reflexo perolado
que de dentro dela se ausenta.
Balthus, Nu Diante do Espelho, óleo, 1955 |
6 comentários:
Lembrei da Clarice ( a Lispector): um pedaço de espelho é sempre um espelho inteiro...
Vidas silenciosas cheias de vozes, não?
beijo,
A carapaça que o espelho reflete às vezes a quebra, outras, a ornamenta.
Ótimas estrofes, todas bem trabalhadas. Genial, Marco!
A magia do espelho, reflexos de sedução pura... Narciso que o diga.
Um beijo
L.B.
Como saber que lado do espelho mente mais?
Muito boa a última estrofe.
Abraço.
Os espelhos são inspiradores, e quando encontram um bom poeta rendem textos assim, deliciosos.
Beijo pra você.
que potencial...
poema com ph maíusculo!
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