Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

quarta-feira, 25 de maio de 2011

INTERIORES E VIDA SILENCIOSA (XXXIX)

41 –  interior com espelho neutro

O espelho não é um telescópio.
A tua alma não surge nele
nem quando o ar da tua boca
o embaça.
Tampouco a apalavra é o reflexo
que ao espelho devassa,
mas a carícia que o trinca
e nele brinca
de esconde-esconde:
quem? Quando? Onde?

Também o olhar não é a pedra
que nele se afunda e gera ondas
ou missivas aquáticas:
nele apenas rondas
a superfície estática.

O espelho também não é o Hades
em que Perséfone arde
e seduz;
é o andar de cima, o céu da sala
onde o desejo ignorado,
como nuvem,
dança um tango com a luz.

Mas se o espelho tanto amas,
é que nele surges viva
e outra,
ainda ostra,
lívida
e sedenta
de um reflexo perolado
que de dentro dela se ausenta.


Balthus, Nu Diante do Espelho, óleo, 1955


6 comentários:

Tania regina Contreiras disse...

Lembrei da Clarice ( a Lispector): um pedaço de espelho é sempre um espelho inteiro...
Vidas silenciosas cheias de vozes, não?
beijo,

Anônimo disse...

A carapaça que o espelho reflete às vezes a quebra, outras, a ornamenta.
Ótimas estrofes, todas bem trabalhadas. Genial, Marco!

Lídia Borges disse...

A magia do espelho, reflexos de sedução pura... Narciso que o diga.

Um beijo


L.B.

Mariana disse...

Como saber que lado do espelho mente mais?

Muito boa a última estrofe.

Abraço.

dade amorim disse...

Os espelhos são inspiradores, e quando encontram um bom poeta rendem textos assim, deliciosos.

Beijo pra você.

Cris de Souza disse...

que potencial...

poema com ph maíusculo!