Gavetas são, certamente,
um arquivo externo da memória,
guardam o que não é urgente
e pode esperar por uma hora
ou por algumas décadas.
Já encontrei engavetados
pedaços secos de pétalas
que outrora perfumavam o ar;
um velho estojo de pó de arroz;
uma página de jornal dos anos setenta
que ficou para ser lida depois;
um par de óculos com uma perna amputada;
uma caneta tinteiro com uma pena dourada
e sem escrita;
duas mechas de cabelos castanhos
algemadas por laço de fita,
colhidas nos tempos de antanho
a uma cabeça que ficou maior e encanecida;
e encontrei até, para meu espanto,
os extremos escritos de uma vida
esquecidos lá dentro:
em envelope sebento,
um atestado de óbito envolvido
por uma certidão de nascimento.
Joaquín Torres Garcia, Composição Construtiva, 1943 |
7 comentários:
[a gaveta, o tudo em nós, que nunca aconteceu porque essa possibilidade de tudo aquilo que poderia ter acontecido... nosso vivo arquivo-morto, as gavetas do nosso próprio tempo]
um imenso abraço, Marcantonio
Leonardo B.
Gavetas são coisas tão íntimas...abri-las torna-se um ritual, é sagrado.
Abraços, Marquinho...
Marco querido,
vim matar a saudade de teus versos e histórias entrelaçadas, e mistérios, universos, mundos paralelos que cria com tamanha exatidão.
Gosto demais da sua caneta!
Meu beijo, querido.
Samara Bassi.
Marcantonio,
E o que postergamos fica na gaveta
para o depois
que demora tanto
que às vezes nos causa
espanto
Um abraço!
Marlene
As gavetas guardam tesouros esquecidos, moeda de troca de memórias que a gente às vezes quer, às vezes não quer mais.
=*
Minhas gavetas vivem cheias de rascunhos e um dia eu sei que vou passar tudo a limpo, mas não tenho pressa. As vezes acho graça em surpreender-me com meus pedaços de papéis. Sempre me pergunto "são meus mesmos?" rs
bacio
atchim!(sério, estou gripada)
o desfecho deste poema provocou-me coceira. que maldade...
curioso é abrir a gaveta é dar de cara com a nossa careta.
beijo, criatura azulada.
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