Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

terça-feira, 15 de março de 2011

QUINZE PAISAGENS COM SOL, QUINZE COM LUA (11)

Eu poderia mostrar
algumas paisagens inéditas,
não as que eu tenha visto de fato,
mas tantas que são aparatos
inventados
por fora da moldura pérfida do dia.
E quem não julgaria
essas íntimas pradarias
como tridimensionais?
Porque os olhos têm função de adesivo
para unir com assombro
sobras e resíduos de dias banais
em camadas, em relevos
de cantos agressivos
e fazer de flagrantes mais assíduos
volumes alucinatórios mais que reais.

Estes são meus talentos de andarilho:
recortar, colar, raspar, desenhar por cima,
pois as mais densas paisagens
são palimpsestos de sonhos sem brilho
de inutilidades e unidades sem prática.
Eis, por exemplo, um rio flutuando
sobre o solo vivo, serpente transparente
de escamas flácidas
das lágrimas que ninguém chorou por mim.
E sobre ele a ponte feita das lacunas emendadas
de todo tempo ido para o fim.
Se chover, serão gotas cristalizadas
de uma sudorese vagamente luminosa
que desfoca aquela montanha, monturo
de rosas secas colhidas nos cemitérios.
Vê que há algum mistério nessas árvores
feitas de mechas engessadas
no exato momento em que o vento álacre
as curvava.
Por fim, o solo arenoso não é nada mais
do que a moagem das cascas das feridas
não fatais.

Não escapo, portanto, no almoxarifado das ruas
desertas,
ao entulho das memórias da não-história
do que foi, mas não vai,
para compor assemblagem aberta,
uma bricolagem espúria,
costura de veduta-frankenstein.














Marcantonio

6 comentários:

Cris de Souza disse...

marcantônimo: sinônimo de arte.

beijos de esquerda!

Quintal de Om disse...

e nesse branco
de tão azul
enxergo um prisma
refletindo o espaço
o vão entre um absurdo e outro
na esquina daquela calçada-fantasma
por onde vi um vulto atravessar
deixou-me impressões azuladas nas vistas
de um arroxeado hematoma na alma.
todo o vazio em goles
num lugar suspenso n'algum azul mais escuro.

Abraços, flores e estrelas...

Tania regina Contreiras disse...

Quem nasceu primeiro, o poeta ou o artista plástico? não vale responder pela formação acadêmica...porque pra mim você já era poeta antes de pintar, gravar, enfim...Essa parceria, de qualquer modo, é fantástica. Maravilhoso o poema. MArquinho, vc está no FB? Se não, chega lá. CAnso de repassar seus poemas a amigos, que tem adorado...mas o facebook possibilita que mais leiam vc...
Espero você lá e sem precisar do abaixo-assinado que se anda fazendo pra levar o Assis...rs
Beijos,

Batom e poesias disse...

"Porque os olhos têm função de adesivo"...

É imenso seu talento de andarilho.
bj
Rossana

dade amorim disse...

Maravilha de poema, Marco!
Vou levar para o poema amigo, tá?

Beijos.

Anônimo disse...

Seus recortes formam paisagens de fazer sorrirem meus olhos.