Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

quinta-feira, 24 de março de 2011

QUINZE PAISAGENS COM SOL, QUINZE COM LUA (19)

Aqui o horizonte é uma linha tracejada
unindo duas têmporas que não pulsam,
e ele não vela por segredo algum:
é parapeito para o olhar extasiado
com a própria miopia,

porque é daquela falésia que torna esse olhar
alforriado de ter que transladar-se
ao versículo do próximo capítulo.

E como se agrada de espraiar-se
apenas subscrevendo o sol ancião
que satura de óbvio on canvas a campina!

Ah, é tanto sol que não há sol,
mas um flash de magnésio congelado no ar
após espocar.

Aqui não sangraria rio algum
que requeresse um declive:
sobre a laje seca coagularia,
um fio de verniz incolor, indolor,
inodoro.

Também não é de se ver nestas plagas
seres que subvertam as escalas,
como as formigas
e todos aqueles dados a inventar
íntimos sob a superfície: as toupeiras,
as minhocas, os etc. e as reticências.

Acima do nível do solo, igualmente,
nada se sustenta, nem arco vazado
nem tumoração rochosa
nem qualquer menir vegetal;
nenhum gólgota, nenhuma babel
ou qualquer mezanino mental.

Talvez apenas uns seres alados,
símiles do olhar abstêmio e livre
que enfim enlouqueceu
e dança longe das quinas e cercas.

















Marcantonio

7 comentários:

Unknown disse...

pensei na confusão de tanta letra, no quadro, e a ordem do alfabeto, no poema


abraço

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

"Aqui não sangraria rio algum
que requeresse um declive:
sobre a laje seca coagularia,
um fio de verniz incolor, indolor,
inodoro.
"
lembrei dos Secos e Molhados poderiam cantar isso em seu tempo

Quintal de Om disse...

Aqui, meu horizonte é uma linha ao céu, rasgando o infinito
numa pipa feita das asas que não canso de dar linha, linha, sem ter fim.

Por fim, esqueço que o céu não é limite e o esconderijo mais seguro é por dentro dos olhos, numa esquina qualquer no canto das pálpebras.

Esqueço,
que guardei no bolso,
bem embrulhadinho
um resquício de sol,
daquele sol de ontem que debruçava na minha janela,
me fabulando histórias e cantando minhas memórias
sem ao menos fazer birra.

Veio se chegando, se aconchegando num caminho em meio às pedras, englobando um olhar
suspenso no vazio e molhando seus pés naquela margem de rio que havia no seu olhar.

Sorrio sempre, quando o rio passa manso no vão dos meus dedos, azulando o instante e suas águas com esse seu verniz sem apetrecho algum, mas tão claro de transparente, tão branco de azulado... que me rende suspiros, pela tarde inteira.

E eu, desejei ficar um tempo mais.

Que lindo, Marcoantonio.
Me cativou.

Meu beijo pra vc!

cirandeira disse...

Esse olhar livre e enlouquecido, que "dança longe das quinas e cercas" é que faz sangrar esse teu rio de poemas!!!

beijos

dade amorim disse...

Será que li mesmo uma paisagem com sol, ou uma desilusão difusa na paisagem?
Lindo poema, beijo pra você.

Eleonora Marino Duarte disse...

árido!

& belo.

beijos.

Andrea de Godoy Neto disse...

ah, Marco! saudades que eu tava dos teus versos vertiginosos!
É isso, sempre saio um pouco tonta depois de te ler...é a tal intensidade.

um beijo