Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

segunda-feira, 2 de maio de 2011

INTERIORES E VIDA SILENCIOSA (XX)

22 – ferramentas

O sono momentâneo
das coisas com função:

a chave de fenda
para torturar a cabeça
frouxa dos parafusos
existenciais;
o serrote para seccionar
as veias secas
da madeira dogmática;
a montolia para irrigar
as articulações fatigadas
dos argumentos;
o formão para formalizar
o contrato das aspirações
contrafeitas;
o esquadro para enquadrar
a circunferência viciosa
da dúvida;
o nível para corrigir
o ângulo desafiador
da vertigem;
o prumo para verticalizar
as verdades relativas,
e o martelo ao pé de tudo
como um velho
cão de guarda
míope e sem olfato.

Todos dormem
descuidados.

Marcantonio, Melancolia 27, téc. mista

10 comentários:

Anônimo disse...

Li isso fincando alguma coisa aqui no peito. Incríveis sensações me passou.

Beijo.

Bípede Falante disse...

Tenho uma chave de fenda dessas. Carrego na bolsa mesmo quando não quero. E na hora do banho, ela pula para meus cabelos, se emaranha com o shampoo e penetra nos fios. Oh, vida mecânica!!!
bjs

cirandeira disse...

"Todos dormem descuidados" porque
estão tão solidamente instalados e
enlatados goela nossa abaixo...!
Sorte tua, poeta: tens OUTRAS FERRAMENTAS para ver toda a engrenagem com que vivemos(?)

um beijo

Tania regina Contreiras disse...

Gostei do teu trabalho, "melancolia", e da possibilidade de olhar essas ferramentas pelo lado de dentro.

Beijo,

Luiza Maciel Nogueira disse...

um sono existencial, todos dormem de vez em quando - uns dormem o tempo todo

bjs

Quintal de Om disse...

Me senti abrindo portas e janelas por dentro do peito.

Lindo isso, amigo.
Meu carinho
samara Bassi

Fred Caju disse...

Muito legal! Pode pôr o Pink Floyd para tocar: Welcome to Machine.

Cris de Souza disse...

coisas de quem tem um parafuso a menos...

a-do-ro!!!

Sueli Maia (Mai) disse...

transformação, transformação, transformação da matéria, mudança de estados... Foi isto que me ficou martelando, martelando, martelando...

Simples e genial!

Luna Blanca disse...

Poetas, homens da arte em geral.
Foram e sempre serão como uma ponte
Entre o imaginário antigo e o real presente.
Como bons feiticeiros trazem
Ás almas insatisfeitas como que uma porção mágica
Que causa um breve delírio voluptuoso
Um extasiar fugaz, que alivia os ais,
Dos inconformados com a realidade contemporânea.
Todavia seu ungüento não dura mais que alguns instantes
Seu efeito curador se converte em um maior pesar
Maior que a dor atroz do passado.
Portanto, dou um conselho aos amantes das belas artes.
Não dêem ouvidos aos artistas do presente
Sejam vocês mesmos uma ponte e o viajante
Para ir ao mundo da pura arte...
Vão ao encontro do elixir da eterna melancolia
Na fonte, na sua origem, onde jorra com perfeição,
Tanto o bem, quanto o mal dos seus sublimes criadores.