Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

quinta-feira, 3 de março de 2011

ROSTOS - MODOS DE CRIAR RETRATOS (FINAL)

É tarde.
O sol se põe.
A fraca luz aplaina os teus relevos.

E prosseguir sob a luz da lâmpada
Seria como passar à tonalidade
De sol menor,
Ou recordar a manhã
Com palavras entardecidas:
Não poderia confiar na fidelidade
Dos matizes que tênues mudam
De temperatura.

É um fato magnífico que as cores
Anoiteçam e amanheçam,
E é tão correspondente aos ciclos
De auroras e crepúsculos que temos
Na alma e no corpo.
Correto seria dizeres:
“Meus cabelos castanhos-anoitecendo”
Ou “minha pele está rosa-amanhecer”.
Pois
As cores têm horários, graus de lucidez,
E não posso unir horas distantes
No teu retrato. Aguardemos.

Mas se fora de outro tipo a minha arte,
Amasse o mármore ou a argila,
Fosse eu um escultor,
Poderia no escuro ver com meus dedos
A temperatura da tua pele e a essência
Incolor da tua face,
E assim transferi-las à matéria diversa.

Porém, desse modo,
Talvez nos sentíssemos mais tentados
A deixar inacabado o teu retrato.

Vênus de Colona, cópia da Afrodite de Cnido

9 comentários:

Dario B. disse...

Tem razão, poeta. Não há como representar o tom limpo-acordar da musa. Será obra eternamente incabada. Abração.

Anônimo disse...

Seu poema tem tato, vi uma escultura surgir aos meus olhos.

Genial!

Tania regina Contreiras disse...

Final? Evito lamentar, embora fique tentada. Mas registro que com a palavra você é pintor, escultor...enfim, trabalha o mármore, a argila, as cores... com a palavra você foi e vai sempre além de todos os sentidos. Um poeta, dos melhores que já pude ler nos últimos tempos. E aguardo a nova alvorada do artista.

Beijos,
Tânia

Suzana Martins disse...

E nos meus olhos fez-se retratos desenhados por ti!^^

Sônia Brandão disse...

Estamos em contínua transformação. Nunca somos os mesmos. Daí,como traçar um retrato? Mais feliz a poesia, que deixa aberta a imaginação para recriar as imagens que quiser.

bj e um bom carnaval.

Domingos Barroso disse...

essa perfeição suposta efêmera
eterniza-se
...

Mágico!

forte abraço,
irmão.

Eleonora Marino Duarte disse...

marco,

que desfecho lírico primoroso para a tua preciosa série de retratos!

bravo!!!!

Cris de Souza disse...

como era de esperar, fechou com chave de ouro...

impecável!

Rejane Martins disse...

...há muito que defendo a ideia, Marco, que existimos o que somos - apenas e tão só o que somos - seja pelo que escrevemos, seja pelo que esboçamos, ou seja pelo que omitimos através da escrita, pensamento ou esboço. Desta maneira, nós - os humanos - na tinta ou no talhe, ou na ausência disso, muito demonstramos o que realmente somos.
Eu te agradeço, novamente, este montão de sensibilidade que tu colocas à disposição da humanidade (esta desmedida grandeza em escalas-escadas de cores), isto tudo, pra mim, é equivalente a muito tempo, muita vida.
Neste exato momento, leio-te em frente ao mar e, com tua permissão, eu salvei pra ler-e-reler muitas vezes, um presente.
:)abração pra ti