Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

domingo, 2 de janeiro de 2011

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (39)

Não tenho roupa de domingo,
nenhuma vestimenta prescrita para qualquer dia.
Devo parecer sempre inadequado para o cerimonial.
Tenho algo de vagabundo aos olhos alheios.
Ora, meus caros, é só um exercício relativo de liberdade
essa escolha de uma roupa íntima
que me dê a sensação de nudez
sob essas rígidas peças de vestuário
que são os próprios dias,
fatiotas inevitáveis separadas em seus cabides.

Mesmo assim tenho hoje certo desconforto
como se não tivesse trocado a roupa de baixo:
talvez porque dois dias seguidos
tenham se vestido de domingo.

Eu disse que era um exercício relativo de liberdade.

Seurat, Tarde de Domingo na Ilha La Grande Jatte. OST, 1884

10 comentários:

Bípede Falante disse...

Que tri!! Foto nova!!! :) Adorei, adorei :)
Um super azul 2011 para você, Marcantonio, com ou sem roupa de domingo.
beijosss

líria porto disse...

estás como eu - enfarado das inconveniências... nada é melhor que ter asas - nem que sejam as imaginárias!

não gosto desta época do ano, somos forçados a uma porção de coisas que não escolhemos - também eu sou meio bicho-do-mato.

besos

aeronauta disse...

O poema é de mestre. Por isso comove tanto. Também não tenho roupa de domingo, ando nua pelo mundo, e todos correm com medo. Bjos.

Eleonora Marino Duarte disse...

tenho certo pavor das roupas de domingo, das de cerimônias também, mas não dispenso jamais os rituais.

pelo visto, nem você!

um apontamento que fecha, ao meu ver, o ciclo chatíssimo das festas de fim de ano, cheias de domingos-para-sempre.

muito bom, marco.

abraço.




abraços.

Lidi disse...

Oi, Marcantonio,

Fiquei feliz com a tua visita e com o teu comentário. Estou te seguindo e vou linkar o teu blogue ao meu. De fato, existe a empatia, a compaixão. Como eu disse para a Bípede, também não concordo inteiramente com a frase, acho que podemos sofrer ao nos deparar com o sofrimento do outro, sim, ainda mais quando existe amor. No entanto, creio que Buzzati está certo quando diz que ninguém pode tomar para si uma dor que é só nossa. Por mais que o outro sinta compaixão, não consegue ter a dimensão exata de um sofrimento que nos é único, tampouco aliviar nossa dor. Salvo, é claro, se esse outro for a causa do nosso sofrimento. Mas é que estou um pouco para baixo e essa frase de Buzzati acabou fazendo a leitura do que estou sentindo. Obrigada por tuas palavras. Um abraço. E volte sempre a me visitar.

Lidi disse...

Ah, gostei muito do poema. Também "não tenho roupa de domingo". Abraço.

Luiza Maciel Nogueira disse...

um tanto cômico :)! Bons dias para 2011!

beijo

Anônimo disse...

Faz tempo que não vou à missa, então pra quê a roupa de domingo?

Escreve bem pra caramba, tô gostando demais de ler você, Marcantonio.

Cris de Souza disse...

“ toda nudez será perdoada.”

Jozi Elen Fleck disse...

Tudo que tu escreves é de um azul diferente.
Que beleza de tintas azuis que você tira do mundo e traz para cá.
Menino, você é lindo demais.
Abraços.
Jozi,
O Lugar das Cores Escritas