Imagem do cabeçalho: "O Grande Canal de Veneza" (detalhe) de Turner

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

APONTAMENTO NA BORDA DO DIA (37)

Dizem que hoje o ano finda,
que finda também a década primeira
deste século.
Dizem os fogos espocando lá fora.

Mas eu sempre fujo para o microcosmo
contido no minuto;
mal percebo a entrada das estações.
Não tenho memória para abarcar
um ano inteiro nem para dar-lhe um espírito
absoluto constrangido em um número.

Pouco se me dá que finde o ano
pois não findam com ele os meus enganos.
Tenho sim a tatuagem afetiva de alguns dias
brilhantes que duraram menos de 24 horas
ou que ultrapassaram essa baliza.
Os dias tristes já findaram antes do final do ano,
alguns, mal-assombrados, ainda arrastam
suas correntes pela casa. Mas outras horas
cuidarão de exorcizá-los com seu ofício de arquivistas.

Dizem que hoje o ano finda, a década
e algum espírito antigo.
Mas amanhã será apenas outro dia
do meu ilegível calendário pessoal. Amém.

9 comentários:

Anga Mazle disse...

Impossível mesmo acompanhar o tempo oficial, Marcantonio. A não ser talvez para aqueles que não descobriram (ou não têm?) o tempo interior.

O meu é tão confuso, que às vezes estabelece séculos em poucas horas, do mesmo modo que apaga momentos e períodos, sempre mais dele do que meus, em fração de segundo.

É dele mesmo, o tempo, a concessão para que eu esteja aqui agora, fazendo o que tão pouco fiz neste ano agonizante: comentar no seu blog - que, num instante que perdurou ao longo de meses neste 2010, acendeu-se para nós (Tuca, Teopha, Elza e eu) como uma das luzes mais intensas que o tempo virtual nos concedeu.

Um Ano Novo bem novo mesmo, desde que o tempo não o queira velho mas muito melhor!

Beijos

nydia bonetti disse...

ilógico e absurdo
contar o tempo

melhor fazer de conta
que o tempo não conta

E que possamos viver em paz, todos os dias, sem contá-los. :) Abraço forte, Nydia.

Julia disse...

Vc disse tudo que eu queria dizer.

Cris de Souza disse...

amém, meu bem!

primeiro de janeiro: dia da ressaca.

Tania regina Contreiras disse...

Mas amanhã será apenas outro dia
do meu ilegível calendário pessoal. Amém

Amém, pro meu também...
Beijos,

Bípede Falante disse...

Também não tou nem aí que o meu ano novo, no tal ano passado, começou em julho, quando me libertei da minha burocracia e decretei como lei viver de um jeito menos burro e mais criativo!
beijossss

Eleonora Marino Duarte disse...

gostei muito, marco! principalmente por pensar parecido.

abraços!

Zélia Guardiano disse...

Para você, Marcantonio, uns versinhos que fiz no século passado , no último dia de um ano qualquer:

Como sói acontecer
Todos os anos
Vão-se as ilusões
Sóis tão ciganos
Sobram desenganos


Acho que combinam com seu lindo poema.
Abraço imenso, meu querido!

Lidi disse...

"Pouco se me dá que finde o ano
pois não findam com ele os meus enganos." Disse tudo!